terça-feira, 12 de abril de 2016

Reflexão Teológica - O Paradoxo da Moralidade - por Felipe Amaral


O Paradoxo da Moralidade
por Felipe Amaral

Quando Deus dizer “Ame!”, obedeça, mas não se surpreenda quando Ele te mandar odiar.

Há implicações de cunho filosófico que nos levam a conclusões que não só podem aparentar-se paradoxais, mas de fato o são. Ao refletirmos a respeito da ética humana ou mesmo a respeito de todos os vieses que envolvem a ideia de moralidade, subjacente em cada humano desígnio e ação consolidada, vemo-nos emparedados por questões as quais não nos permitem chegar a respostas definitivas. Sobre isso podemos pontuar a problemática essencial da incapacidade cognitiva ou mesmo de se chegar à “certeza intelectual”, necessária à caminhada moral sobre esta terra (postulado a ser defendido no decorrer deste texto, mas que acerca do tal já deixo expresso que pode até abrir vaga a algum tipo de “paradoxismo”, mas não necessariamente a um agnosticismo confessional). Vejamos. Quando pensamos estar certos no tocante a um intento, só poderemos remeter-nos a algo inerente (prescrito pelo que seja o Ser Necessário!) ao nosso ser para que possamos sustentar tal convicção, de outro modo, tudo não passaria de mera opinião, ainda que pudesse ser tido como o plano mais solidário e amoroso que pudéssemos pensar ser (há “como que” a urgência de um Ser Moral Necessário que firme “ontologicamente, existencialmente” qualquer disposição como, de fato – boa!). Ao fim, a questão é: O que é “ser mau”? Se recorrermos a Bíblia – com os olhos voltados para nossa “doada” concepção de moralidade – veremos ordens impossíveis – relacionadas à perfeição (de fato!), que é inatingível neste plano – e imperativos que deixariam qualquer um que apelasse à Lei Natural (Romanos 2.14-16) boquiabertos, dado o grau de repugnância provocado pelos tais (se entendidos ao “pé da letra” (rigidamente!), por via da literalidade ou de modo “aquiescente”, ou seja, sem as amarras hermenêuticas confeccionadas por uma ou outra vertente teológica – assunto este, ao que nos ateremos – sucintamente, mas não menos racionalmente – mais à frente). Exemplos são o extermínio de bebês cananeus (com ordem implícita em Dt 7.1,2 cf Js 6.21 e na aquiescência divina posterior a ação tal) e a ordem para o sacrifício de Isaque (Gn 22.1-18) – que, apesar de não ter sido levado a cabo, pressupõe, pela justificação de Abraão, que sua disposição fosse genuína quanto a querer praticá-lo, sendo assim, contado como “ato executado”, baseando-nos no que é expresso em Mateus 5.28 e Hebreus 11.18. E aqui faz-se necessário deixar salientado que, mesmo com a inclinação de alguns a pensar que sejam assuntos fáceis de resolver, a análise mais apurada acerca dos tais mostra que existe sim, principalmente na questão do caso de Abraão, uma problemática essencial que permeará toda a Bíblia e se erguerá como dificuldade, por conseguinte, para cristãos, judeus e quaisquer adeptos do texto bíblico como “cânon” moral.

As Ordens Possíveis Impossíveis

Deus, na melhor das hipóteses, parece não estar sujeito à nossa concepção de moralidade (nosso entendimento - “dado por Ele mesmo!” - da Lei Natural – Rm 2.14-16), de outro modo, Ele jamais ordenaria o sacrifício de Isaque (Gênesis 22.1-18). Em Jeremias 32.35 o texto expressa-se assim (grifo nosso): “ Também edificaram os altos de Baal, que estão no vale do filho de Hinom, para fazerem passar seus filhos e suas filhas pelo fogo a Moloque; o que nunca lhes ordenei, nem me passou pela mente, que fizessem tal abominação, para fazerem pecar a Judá”. Diante de tal passagem, alguém poderia explicitar que “não passou pela mente de Deus” o sacrifício a Moloque, mas não que não o tenha passado este voltado a Ele próprio. Claro que uma pessoa que erige pensamento tal já está disposta a defender qualquer coisa – inclusive a morte de bebês a fio da espada, até mesmo hoje! - mesmo ela própria sabendo que a Lei Natural escrita na sua mente reluta contra tal e, se não, coisa comum por certo não seria, visto que pessoas do mundo todo reúnem-se ao redor de textos tais (Josué 6. 21; 11. 11, 14, 15, 20 cf. Dt 7.1, 2) para debaterem por horas e horas ainda e a história da igreja está repleta de casos de teólogos e filósofos cristãos que se ativeram a linhas tais buscando respostas, devido à inquietante sensação trazida ao coração por tais questões. Estou consciente de ter misturado uma questão com outra, cito, a questão de Abraão e o extermínio dos cananeus. Fiz isso por entender que, ainda que eu me ativesse somente e puramente à ideia da moralidade por trás de quaisquer dos dois casos, já estaria lidando com todos os outros quantos possam haver no registro bíblico, visto que o que subjaz é o que se mostra imperante e não a escolha de um fato em si. Elencando as implicações (via inquirições) cita-se: E se alguém dissesse hoje que Deus o mandou matar os infiéis? Ou sacrificar filhos? (já realço aqui, prevendo um eventual apelo à “Progressão Revelacional” ou ao “Cessacionismo” de alguns que tal apelo já subentende a resistência moral à dada ideia, mas façamos um esforço, transportemo-nos a tempos patriarcais, “e agora, José?” Será que tais teologias poderão salvar-nos?) Continuando... E, diante das ordens supracitadas, asseverasse que este alguém deveria ser perfeito como Ele é? Pensemos um pouco. A qual tipo de perfeição Deus estaria se referindo? Compliquemos ainda mais as coisas. E, se passasse à mente deste alguém que matar bebês não condiz com qualquer ideia de punição por crime, nem de cunho religioso? Existe tal pecado, por imputação, digno de pena capital (cf. Ezequiel 18.1-5, 19,20 - ainda que este texto possa ser entendido por via de espiritualização do mesmo)? O que você faria se visse alguém prestes a passar a fio de espada o filho em um altar? Telefonaria para a polícia? Usaria as próprias mãos para evitar tal coisa? E, se presa (por tentativa ou execução do homicídio!), esta pessoa seria considerada “digna” de ser internada em um hospício? Ou digna de pena capital? Voltando à sua concepção da Lei Natural, dada por Deus, como este alguém poderia pensar ser justificado por tal ato? E, já que, no caso de Abraão, o Anjo interveio, por que Ele fez isso, visto que aquilo tinha sido ordenado pelo próprio Deus? Seria errado e certo ao mesmo tempo? Alguém poderia ser justificado via cometimento de pecado? E se não é ou seria pecado, com base em que poder-se-ia afirmar isso? Os fanáticos do islã também não poderiam justificar-se desta forma? Resta-nos a árdua tarefa de alcançar a certeza de qual Deus é o certo! Mas se discernirmos um de outro com base na moralidade, não estaríamos fazendo da própria moralidade um deus que nos serviria de crivo para sabermos, ao fim, quem de fato é o Deus certo? E, na verdade, como saberíamos se nossa ideia de moralidade não estaria só arraigada a coisas terrenas? E como provar que não esteja? Pelo Princípio da Analogia? Mas se a Bíblia evidencia coisas que parecem contradizê-lo e se mostram insolúveis, como as já citadas e mesmo o problema Soberania Divina-Livre Arbítrio Humano? Onde estaria a certeza humana diante da impossibilidade de convicção? Na fé cega? Mas parece-nos que esse tipo de fé é simpática aos fanáticos, não?...
Nos questionamentos, se você prestou atenção, eu findei com reticências. Há muitas questões ainda que poderiam ser levantadas. E cada resposta gera outra leva de questões. Fato é que o problema torna-se tão grande que, nem uma existência digna de ser comparada à longevidade dos patriarcas bíblicos poderia ser suficiente para esgotar todas elas, quanto mais as respostas às tais!
A solução seria deixar de lado textos bíblicos que, na melhor das expressões, parecem contradizer à Lei Natural. Mas aí estaríamos singrando por águas perigosas. As pessoas poderiam, dado o precedente, cortar o que quisessem das páginas da Escrituras, tomando como base questionamentos que pudessem aparecer com o tempo e que também se tornassem insolúveis como estes citados. E, outra, se só apelássemos para a via hermenêutica a fim de colocarmos desfecho no imbróglio (como já fazemos!), incorreríamos no erro de erigirmos outro tipo de precedente que poderia, ou mesmo, pode ser utilizado por pessoas ditas mal-intencionadas. A respeito deste último precedente, eu prometi falar mais e aqui cumprirei o trato, ainda que laconicamente. Vejamos. Quando nós somos leitores da Bíblia deparamo-nos com várias traduções, notas de rodapé e comentários que juram nos ajudar a entender textos ditos complexos... Caso é que já se passaram séculos e séculos de debates e há muitas questões não respondidas de forma conclusiva. Não que isso vá nos afastar da Escritura! Não é preciso isso! O que quero dizer é que não são só tais questionamentos que nascem diante de textos complicados que nos colocam em maus lençóis, mas, com as supostas respostas, outras implicações ainda mais cabeludas que vão tornando nossas vidas quase impraticáveis do ponto de vista racional. Alguém pode ir ao hebraico, ao aramaico, ao grego, e até mesmo ao latim para poder sanar problemas tais que, muitas das vezes, são ainda mais nublados por tais recursos, e não considerar honesta e conscientemente que as coisas lhe foram explicadas de modo a sanar todas as suas dúvidas quanto à compreensão do texto sacro (e quanto à veracidade da compreensão alcançada, quando diante de questionamentos racionais que nos vêm à mente no decorrer da vida). Há questões de ênfase linguística (capacidade ou poder maior de expressão de palavras de tal língua comparadas às mais modernas). Há questões de estilo. Muitas outras gramaticais. “Certo” é que não teríamos vida tão vasta assim para podermos solucionar todos os problemas que temos e que teríamos no decorrer da lida dita solucionadora dos tais. Exemplo disso é o mundo de livros não solucionadores e doutores ainda encafifados em tão desgastantes questões. E isso não é apelar para a incapacidade de alguns, mas olhar honestamente para a realidade sem ares de pura relutância idiossincrática, coisa tal que toma de assalto vários estudiosos quando desses apontamentos. Agora ater-me-ei, por finalização à reflexão sobre o que pensava ver-se por analogia a Deus: a Revelação Geral, mais precisamente expressa, na Lei Natural e sua compreensão.

A Analogia do Engano e a Transcendência da Moralidade Divina

Eu sempre pensei, e por via de um texto em particular (Mateus 7.9-12) e de todo o texto sagrado, genericamente (visto pelas lentes embaçadas do princípio da analogia), que a moralidade de Deus não só fosse igual, dadas as proporções e nunca as equivocações, à Lei Natural, mas que o próprio Deus fosse a mesma, falando em nossas mentes, mas acabei por ver-me desbaratado, diante das implicações geradas pelo mal no mundo quanto pela forma de Deus lidar com as tais por via de sua justiça ou reparação. Caso é que Deus mata, por meio ou não de agentes secundários, filhos, como se lhe fossem iguais a outras posses (visto que, ao fim, restituiu-lhos em dobro!) para levar a cabo provações disciplinares (Jó 1.18,19), tira a vida de um que, sem permissão, toca na Arca da Aliança, outros que lhe levam fogo estranho (para ato cerimonial) e ainda outros que retêm propriedades, mas a pessoas dadas ao concubinato (não excetuando a possibilidade dos antes citados, que teriam que “pagar” como os que agora cito!) como Abraão, Jacó e Davi Ele chama de, respectivamente, “Pai da Fé”, “Príncipe de Deus” e “Homem Segundo o Coração de Deus”. Devendo-se acentuar que em casos como o de Jacó e de Davi poder-se-ia elencar mais falhas graves. Tenho ainda a acrescentar, tirando casos específicos, que a própria escrita, ou ainda, escolha de palavras e frases a serem lançadas no texto sagrado, levam-me – como a não-leigos e academicistas, como eu não o sou – a conclusões paradoxais que minam qualquer tipo de confiança que se possa ou mesmo se pudesse haver ainda na capacidade da cognição humana para compreender qualquer coisa. Sendo que se a refutação às minhas palavras pudessem ser feitas com base na comparação (analogia), não só a que vemos o próprio Cristo fazendo entre Deus e a realidade humana, ora em parábolas, ora em asseverações doutrinárias, que só fariam sentido se colocadas no altar da analogia (aqui repousa o “paradoxismo”!), como em todo o restante da Bíblia, poderíamos dizer que a própria semelhança afirmada tacitamente não poderá dar lugar à ideia de sujeição de Deus à Lei Natural, que mais parece ser uma criação divina, podendo até ser considerada um falso deus, alvo de idolatria (pense em Abraão não se dispondo a fazer o ordenado sacrifício por causa dela!). Agora, você poderia perguntar-me: Até onde isso leva o homem? Como você ainda vive diante disso? Às tais perguntas eu responderia com um texto, mas como que cegamente também: “Porque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé” (Rm 1.17).

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