sexta-feira, 15 de abril de 2016

Sonetos Polimétricos - RF Amaral


A Helicoidal Sidérea

Glabra escarva de ventríolos incunabulescos
No areal dos centríolos e fétidos estábulos
Onde ruminam filhos de retumbos e vocábulos
Que ecoam no espectro de vácuos sonambulescos.

Escória anti-ascética de acerbos e dantescos
Limiares de cosmos em conciliábulos.
Tráfego de marés acídulas: incunábulos,
Alfarrábios, grimórios, palimpsestos e arabescos.

Figura de eras remotas, imemoriais
Do abismo das nebulosas colossais
Que infestam a imberbe face do domo astral.

Eco de voz fantasmal que expele ectoplasma,
Teor de medo ínclito que regela e a alma pasma,
Descomunal furor de espiral fosso universal.

Coaxar de Saliêncios

Batráquios flavos na lama langue salivar
Da boca trêfega sôfrega de lúbrico paul.
Gavroche, bobo da corte do juncal tribul:
Linhagem tosca de cemiterial esgar.

Testemunhais a Queda de um Adão, no azar
De sua volúpia doentia sob o véu azul
Da abóbada cerúlea: o tombo de um taful
Que julgava-se forte ante um mal corpuscular.

Lápides de ópio de inscrições, letras grotescas,
No mortuário “sepulcrário” de ilusões tudescas
Que enfeitiçam o globo espacial.

Horas mortas de dores avassaladoras.
Negror de súbitas vagas vãs, destruidoras.
Cova fria do palor cadavérico e abissal.

Tnetopsista

No tanatopsiquismo da minha alma
Regurgitam segredos sonhos meus profícuos.
Clamorosos ermos, em visões, ubíquos;
Lancinante gládio que acentua o trauma.

Maculada “cardia” da dor que as mãos aos céus espalma
Como em súplicas mil de pios sons conspícuos
Ante o altar dos contritos que guardam-se de iníquos
Pensamentos soberbos sem piedade e calma.

No mármore das brancas nuvens erigidas
Vagam almas vívidas vigiando vidas
Que à terra permanecem presas como aos vis grilhões.

Finítimas casas, contíguos vilarejos...
Rotineiras dores de corpos presos aos desejos
Que impõem aos seres vãs limitações.


Exsudação Colérica

Caixas cranianas calvas em cavilações
Conspiratórias de diabólicos complôs.
Crescentes ondas de som que se compôs
Sozinho entre árvores, seixos e crotões.

Báculo negro da mão cianótica em bubões
Que exsudam o purulento líquido que se expôs
Após tornar-se ofensa à chaga que se impôs
Qual mal incurável, filho de todas as execrações.

No caixão agora jaz o corpo que, na insolência,
Debatia-se relutando contra a conseqüência
Da degradação oriunda do sedento caos.

A porta fechada, o vaso que se quebra;
A corrente que se rompe, a morte que celebra
O êxito fulvo das inquietações dos dias maus. 


A Mão do Céu

Pestilências pelas plagas contíguas de venérea
Semelhança matando o globo a cajadadas.
Asbesto no ar das manhãs forradas
De flores secas pela aragem vã funérea.

Calabouço das gentes sem provisão etérea
De vida sã que traga-lhes às entradas
Das portas beneplácitos que aclarem as estradas
Empoeiradas de atroz vida deletéria.

O consolo é pedido. E a súplica exterioriza
O martírio da alma que se sensibiliza
Co'as demais que sofrem da mesma desventura.

O esqueleto morbígeno já vem cascavilhando.
Em requebros, em pinchos, vem bailando.
Mas, interpondo-se, a Mão do Céu media a cura.

Sensual Denodo

Teu corpo nu é como raro mármore; e eu me deito
Sobre esse teu corpo branco voluptuoso,
Mirando o vindouro e desfalecente gozo
Que me pode levar aos céus, ainda que esteja ao leito.

Tuas coxas, costas nuas, lábios dos quais tiro proveito;
Teus seios a chamarem-me ao colo airoso;
Espádua em névoa, níveo ventre, olhar luminoso
Que me abre as portas ao êxito do que é feito.

Lanço-me entre tuas pernas com tal apetite
Que o resfolegar de narinas dá convite
Ao intenso cansaço do meu corpo todo.

Calipígia tu vens-me, toda em excitação
E eu, sem embaraços, sem pejo e sem hesitação,
Venho a ti, rendendo-me à concupiscência desse engodo.

Arma Irracional

Carne edule, cartilagens mucilaginosas.
Terror tantálico que prende a alma histérica.
Barco perdido sujeito à vaga azul colérica.
Ilações ilógicas que findam por marchas ruidosas.

Préstito do que abala a razão e aviva as perigosas
Confluências de ideias paradoxais na esférica
Vivência de um globo sem a paz quimérica
Que metamorfoseia as vidas lamentosas.

Pândego achar que tudo tem que ser assim.
Conformismo grotesco que resguarda um triste fim
Para espíritos poéticos que pairam sob a luz.

Misteriosas procelas que andam nos cercando.
Vil deploro (^), oferenda ao Deus do mal nefando.
Vida vã de ilusões, projéteis de arcabuz.

Inépcia

Argumentações inúteis periféricas
Que tangenciam questões e fogem do bom senso.
Pretensioso esgar, palrar pretenso
Que pensa refutar motivações genéricas.

Mundo de incerteza que alardeia homéricas
Disposições, mas traz-nos só o viver ao mal propenso.
Célere engano. Engodo intrépido de um consenso
Autocrático que polui as massas atmosféricas.

Não há nada de novo debaixo desse cáustico sol.
O séquito da morte impera quando o arrebol
Da verdade chega e o valentes já ofegam.

Nau à deriva. Existência universal
Sem sentido e sem a busca vital
Da justiça à qual os íntegros se entregam.

Turíbulos em Festa

Nos luares de rútilos vivos as feéricas
Cantilenas parecem ressoar no espaço.
A ave do mistério sobrevoa braço
Estendido de um céu de faces esotéricas.

E, embora a turba do pavor das cadavéricas
Assombrações pareçam imperar no escasso
De luz sidérea, fato é que um encanto lasso
Torna-se vivaz entre monções estratosféricas.

O plectro que atila do cantor-poeta a doce lira
Jubila ante a lua que fascina qual safira
Engastada no feretral e atro minério.

Baila a prestimosa dançante entre arlequins
E a serpentina de sonhos galga os marfins
Da glória astral dos píncaros do Etéreo.

Nos Engastes do Hiperbático

Na sínquise dos termos eu navego
Buscando encontrar o sol onde se alberga
A mágica estrutural da palavra que enxerga
O além do horizonte ao qual me entrego.

Anastrófico e hiperbático, meu ego
Os céus ganha; altos vence; e dor posterga;
Sonhos sonha e aos lamentos não se verga
Para que reine doando-se a um destino cego.

Pois que, ainda que se busque achar partida
Coesa na vida por nós vivenciada e erguida,
A verdade é que tudo corre a esmo.

O certo é paradoxal e, no oximórico
Mundo das abstrações, faz-se grimórico
E o final não parece final consigo mesmo.

Boca da Revolução

No mundo reina a voz de um mal emérito:
Incoerente palanfrório de inverdades;
E as razões não usufruem de oportunidades
Para que triunfem nas inquirições do inquérito.

Indagações não respondidas trazem vil demérito
Para os que zombam da retidão em leviandades.
Isso é sabido desde tempos imêmores, mas as grades
Da ignorância enjaulam o dom benemérito.

Claves erguidas de covardia enclausurante.
Báculos de dor na mensura falacial gritante.
Sons sem préstimo no altar da autocracia.

Os insurretos estão todos sonolentos.
Cambaleiam pelas vias: cães sarnentos.
A boca da revolução, sem fala, silencia.

Orbes do Desconhecido

Bateu-me à porta a figura treda e abstrusa
Do pavor que já corria em minhas veias.
Adentrou qual vento impetuoso em chãs alheias
À minha humilde casa em mim reclusa.

Olhar de górgonas. Resfolegar de fera escusa.
Um Hades aberto para receber em teias
O féretro absconso das tácitas noites feias
Que celebram a morte petulante e intrusa.

Solenidades resignadas de novembro.
Quarto dia atroz de um mês que bem me lembro
Ser a imagem da besta apocalíptica.

Espelhos que se quebram. Luzes que se apagam.
Gargalhadas horrendas. Vultos que vagam
No terreal globo de órbita elíptica.

O Livro Preto

Passos que vinham em minha direção
E sombras que se arrastavam nas paredes.
A imagem do terror matando as sedes
De sentimentos de insegurança e de aflição.

Vi no espelho a mão vultuosa, negra mão
Que parecia chamar-me, mas, adrede,
Escondia o meu rosto por detrás da rede,
Tentando evitar olhar aquela hórrida visão.

Frente ao televisor, um esqueleto
Vasculhando o armário atrás do livro preto
Que um feiticeiro, tempos atrás, deixou-me.

Não sabia que aquilo trar-me-ia tantas dores:
Noites indormidas, multidões de horrores.
Maldita a hora em que presenteou-me! 


A Possessa

Exaurido, adentrei àquela ermida.
Lá havia... Eis que lá, próximo ao altar,
Estava ela e eu fora chamado a ajudar
A pobre alma que se encontrava sucumbida.

Pus-lhe a mão sobre a cabeça para, em contrapartida,
Dizer palavras tais que pudessem expurgar
Seu corpo de espírito atro e, do lugar,
Aparições que o tal tomara por guarida.

“Em nome do Cristo, expulso-te, ó ser nefasto!”
“Em nome do Cristo ressurreto e casto
Que provou a morte por nós todos”.

“Vai-te, reles ser, das trevas prisioneiro!
Deixa em paz esta alma, atro carniceiro!
No poder de Cristo agora eu quebro os teus engodos!


O Outro caso...

Outro caso deu-se, de possessão e engodo,
No adro da morada simples de um liturgo.
Fui convocado por Deus, qual taumaturgo,
A obrar milagres ante aquele povo todo.

Com a ajuda de Deus, não me faltou denodo
E eu apareci à hora exata e, já no expurgo,
Disse as palavras santas que ecoaram pelo burgo
E chamaram a atenção dos curiosos por apodo.

O demônio ainda persistia em transe agudo,
Mas via-se já prestes a retirar-se e deixar tudo
Livre da sua presença mórbida e sombria.

Ao fim, apregoei a todos a fiel palavra
E vi Deus operar salvação na rude lavra
De incastos corações que ali havia. 

Filho de Ares

Eu, ainda jovem, desterrei-me por escolha
Da presença de todos e da cidade.
Fui andar por longínquos vales, na vontade
De aproveitar a vida, que é qual ar que move a folha.

Como pedra a rolar, soltei-me na recolha
De tempos perdidos (para mim, ser que se evade).
Meretrícios alucinatórios fiz de abade;
Conselheiros, prazeres todos sem ficar na encolha.

Não queria recados, admoestações.
Minha vida era livre das morais invenções
Que prendem os homens, filhos de Mavorte.

Foi a doença que fez-me entender
Que eu não era nada e nada vi poder
Fazer contra o mal que me levou à morte.

Ao Incognoscível

Não existem leis, só opiniões banais.
O mundo é sujo quando diz ser limpo.
A neutralidade moral é o garimpo
Da vida plena de todos os mortais.

Defender opiniões é singrar ainda preso ao cais
E querer alcançar do Hades o Olimpo.
Do incognoscível nada limpo;
Do incompreensível nada vós manchais.

Não vos preocupeis com as perguntas bobas,
Eis que as mesmas são quais alfarrobas
Que ninguém quererá por alimento.

No paradoxismo existencial
Paira o mundo envolto da sacrificial
Vida de cobrança, angústia e sofrimento.

A Existência do Ser-Oxímoro

Nunca pensei ser tão paradoxal
O viver buscando achar vitais respostas.
Suei tentando defender propostas
E acabei no desencontro do irracional.

A matéria não me deu respostas. E mal
Pude respirar buscando as mesmas postas
Sobre o altar do sagrado. E viro as costas
Hoje para a suposta certeza experiencial.

Não há nada a buscar, tudo a crer cegamente.
Destruíram meu forte e, hoje, doidamente,
Ainda me vejo tentando me reconstituir.

Ao ímpio e ao reto a sorte vil prospera.
Não segue lógica. Não reconsidera.
Não se explica e insiste em vir me coagir.


Já me Bastam...

Só quero a paz de não ter que me fazer
De perito ante as questões da vida.
Já me bastam as crises desta indefinida
Existência em busca do pão para comer.

Já me bastam as vezes que tive que dizer
Sim ao silêncio frente ao que revida
E me humilhar ao irracional, na lida
Com os tolos do mundo que pensam saber.

Já me bastam fases, frases capazes de matar
O espírito do ser que insiste em acreditar
Que, um dia, poderá levar a vida em paz.

Já me bastam as correções que eu não deveria
Ter ofertado a imbecis que havia...
Já me bastam... Basta-me o que me satisfaz.

As Ordens do Impossível

Eu teria até que me pedir perdão
Por pensar em dizer coisa tal que agora
Exporei a leitores mil “de mundo afora”
Que estão ávidos pela minha asserção.

Digo-o: A moralidade não passa de ilusão,
Diante do fato de que a certeza não vigora
E a racionalidade nem sempre monitora
O que acontece neste mundo vão.

Não é à presença do mal que me inclino
Quando argumento e esposo o meu ensino,
Mas à ilogicidade da fé cega.

Tenho que ser como Deus é - E Ele é Santo - 
Mas, se deixo de ajudar, sofro o quebranto
Que Deus não sofre quando a tal se nega.

Dever de Não Responder

Não preciso responder ao que pergunta.
Não vim a este mundo para isso.
Vim para viver em paz, em gozo e viço,
Sem fazer-me mal co'a dor que desconjunta.

Vim para ter uma vida doce, leve e assunta
Aos céus dos céus, galgando o compromisso
Com a alegria que me faz submisso
Ao êxito da luz que à paz se junta.

Se o mundo é de dúvidas cruéis,
Eu não tenho nada com isso, que os papéis
Que me foram dados a desempenhar

São de um ser humano limitado
E, com isso, na vida conformado,
Prosseguindo até um dia me cansar.

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