segunda-feira, 18 de abril de 2016

Eis a etérea questão - por Felipe Amaral


Eis a etérea questão
por Felipe Amaral
1
Talvez a minha vontade
De escolher algo na vida
Se mantenha dividida
Entre a verdade e a inverdade,
Pois que uma impressão me invade
De que a minha decisão
Não é minha, por razão
Da força descomunal
Da influência social
Eis a etérea questão.
2
As escolhas são tomadas
Diante de circunstâncias
Que infiltram vis inconstâncias
Nas decisões intentadas.
As dúvidas arquitetadas
Dentro do meu coração
São frutos da indecisão
Do cosmos inconsciente
Do qual eu sou dependente.
Eis a etérea questão.
3
Tudo parece vagar
Num despropósito absurdo
E o humano fica surdo
A esse fato exemplar.
Certo é que o aparentar
De como uma imposição
Chega a causar-me a impressão
Que tudo interage a esmo
Eu me ensimesmo em mim mesmo.
Eis a etérea questão.
4
Quando movo o pensamento,
Buscando achar soluções,
Não sei se as indagações
São ou não do meu intento,
Pois o científico advento
Diz que essa cogitação
Pode ser só reação
Do meu cérebro. E convinha
Que eu não pensasse ser minha.
Eis a etérea questão.
5
Busco crescer. Tenho planos.
Projeto a minha existência.
Mas se a minha consciência
For autônoma, esses anos
De intentos só são enganos
Que prendem na ilusão
A minha imaginação
Que cogita estar aberta,
Mas não se encontra liberta.
Eis a etérea questão.
6
A decisão é moldada
Pela vontade de fora
Que influencia e explora
A circunstância implantada?
Talvez seja aprisionada
Pelo ambiente e a ação
Fica à mercê da ilusão
De uma falsa liberdade.
Talvez nem seja vontade.
Eis a etérea questão.
7
O átomo se move no mundo,
Mas eu não sei qual a causa,
Já que reflito sem pausa
Sobre o motivo profundo
Que rege tudo e, segundo
A minha análise, a ação
De cada átomo traz visão
De que tudo o que acontece
Numa prisão permanece.
Eis a etérea questão.
8
Sou um robô programado?
Se sim, por que me julgar?
Não vai mais haver lugar
Pra o julgamento intentado,
Já que o mesmo é fabricado
Por partículas que estão
Numa movimentação
Sem uma finalidade,
Governo ou moralidade.
Eis a etérea questão.
9
Por que é que sou condenado,
Se sou fruto só de impulsos
Dispersos, vagos, avulsos
De um cérebro manipulado?
Cada impulso que é gerado
Parece advir do vão,
Pois toda motivação
De mim mantém-se ocultada
E é causada pelo nada.
Eis a etérea questão.
10
Poderia cogitar
Que, se é Deus que move tudo,
Certo é que o meu conteúdo
Cerebral vem se encontrar
Na sua mão a causar
Tudo o que faço, em razão
Da minha investigação
De tudo ser só de Deus;
E os meus planos não são meus.
Eis a etérea questão.
11
Sobre a morte eu me detenho
Numa inquirição sem fim:
Pois, o que haverá de mim
Depois que eu cerrar o cenho?
Com base no desempenho
Da matéria, sem porção
De racionalização,
O todo a esmo divaga
E assim mesmo a alma vaga. 
Eis a etérea questão.
12
Vejamos. A minha vida
É composta de momentos
Nos quais erijo os intentos
Que a tornarão erigida.
Mas a reflexão convida
A minha compreensão
A buscar achar razão
Pra tudo aquilo que eu faço,
Quer finde em êxito ou fracasso.
Eis a etérea questão.
13
Pensando na sociedade,
Eu me deparo co'o fato
De não saber como a trato,
Pois, o que é mesmo a bondade?
Nos regemos na verdade
Sem a mínima convicção
E toda essa discussão
Também não fará sentido.
Tudo caminha perdido.
Eis a etérea questão.
14
Por que tudo é como é?
Tudo poderia ser
Diferente e parecer
Mesmo co'o nada até!
Se eu coloco a minha fé
Em uma proposição,
Esqueço a complicação
Que o mal vem trazer à vida
E a mente fica iludida.
Eis a etérea questão.
15
Se eu me apego ao postulado
De que tudo é imperfeito,
Eu percebo, nesse feito,
Que o que percebo é manchado
Pela imperfeição e o dado
Instante da reflexão
É vão, pois opina em vão
E não pode achar resposta
Devido à própria proposta.
Eis a etérea questão.
16
Porém, se me entrego ao caso
De pensar que há algo puro,
Me vejo ainda inseguro,
Pois concluo, sem atraso,
Pelo real, que o descaso
Sempre toma habitação
Por entre a população
E que eu mesmo sempre falho.
E, assim, se esvai meu trabalho. 
Eis a etérea questão.
17
Não há certezas no mundo.
Mas parece que até isso
Precisa de um compromisso
Devastador e fecundo
Co'o axioma no fundo
Dessa sua conclusão,
Já que a minha percepção
Disso precisa, no ato,
Ver perfeitamente o fato.
Eis a etérea questão.
18
Paradoxos nos rodeiam.
Estamos desnorteados,
Por que não somos dotados
Das certezas que permeiam
Convicções que clareiam
A mente e a dedução.
E estamos, pois, desde então,
Perdidos no mal de um vício
Buscando um fim sem início.
Eis a etérea questão.
19
Posso olhar para o universo
E perguntar pras estrelas
Pelas respostas e pelas
Razões que tornem meu verso
Preciso e não mais disperso,
Mas só que nem elas são
Fonte de iluminação
Pra o meu raciocínio turvo,
Diante da dúvida eu me curvo.
Eis a etérea questão.
20
Deus parece se ocultar
Por detrás do grande abismo
Que separa o logicismo
Da resposta elementar.
É que o ser pode buscar
Entendê-lo, porém não
Chegará a compreensão
De tudo o que Ele pratica,
Sendo assim, na dúvida fica.
Eis a etérea questão.
21
Alguns podem responder
Que a fé é o que sustenta
O racional, mas enfrenta
Conflitos a resolver.
Veja! O problema a se ver
E acabar há na visão
De que a nossa condução
Racional do que a fé é
Também precisa de fé.
Eis a etérea questão.
22
É fé postular a crença,
Pois quem postula reage
Racionalmente e interage
Para que o debate vença.
É uma coisa pretensa
Pensar ter convicção
Que a convicção é tão
Forte que também não busque
Um brilho pra que corusque.
Eis a etérea questão.
23
Dependo de Algo pra ver,
Pois o que vejo é turvado
Por eu ser um ser manchado
Pela falha em meu viver.
O que é que posso fazer,
Diante da inquietação
De não ver para a visão
Uma nitidez extrema?
Vago na dúvida suprema.
Eis a etérea questão.
24
Posso dizer que acredito.
Mas outro também o pode.
Não há em “quem” me acomode,
Nesse dilema maldito.
O caso é que me acho aflito
Perante a aquisição
Das conclusões da razão
De que sou “oximórico”
E, assim, levo o meu histórico.
Eis a etérea questão.
25
O que é o bem, frente ao caos
Da vida que se mantém?
Mas isso vai mais além:
Desordens são fatos maus?
Se tudo progride em graus
De motins e ordenação,
Onde estaria a razão
Pra não pensar que tudo isso
Está a nosso serviço?
Eis a etérea questão.
26
Mas ninguém quer a desordem,
A pobreza o desamor,
O desprezo ou dissabor,
Coisas tais que se remordem!
E ainda que alguns recordem
De alguma resignação,
Vêem que a insatisfação
Era ainda um mal que havia,
Mal que alguém jamais queria.
Eis a etérea questão.
27
Mas até que ponto somos
Servos do nosso querer?
E ele é certo por trazer
Nossos anseios e assomos?
O que somos e o que fomos,
No que tange a volição,
Pode dar-nos a impressão
Que mudamos, vezes várias
Para vontades contrárias!
Eis a etérea questão.
29
Se mudamos nosso gosto
E aceitamos, muitas vezes,
Noutros dias, noutros meses,
Tudo o que nos é proposto,
Como aceitarmos, no exposto,
Que a vontade, desde então,
Nos tem legado à razão
Inabalável de vida?
Diante disso o ser duvida.
Eis a etérea questão.
30
Parecemos grãos de areia
Removidos pelo vento.
Queremos, dado momento
Algo que até nos refreia,
Porém o que aformoseia,
Assim nossa volição
A tomar tal decisão
(Só por que a outra é errada)?
Eis a dúvida ocasionada.
Eis a etérea questão.
31
Governos que fazem leis,
Pessoas que as respeitam,
Outras que só as rejeitam,
Decretos feitos por reis,
Livros sagrados, mas, eis
Que tudo é uma invenção,
Não passa de opinião,
Se tudo é material:
O que é Bem? O que é o mal?
Eis a etérea questão.
32
Um ser bem que poderia
Viver sem querer viver,
Só inclinar-se a sofrer,
Buscar desordem no dia...
Somente preservaria
A vida pela razão
Da perpetuação
Do seu ultramasoquismo,
Que é seu maior egoísmo!
Eis a etérea questão.
33
Viver como as pedras “vivem”.
Querer imitar o vento.
Andar a todo momento
Pedindo só que nos privem
Da satisfação e ativem
Contra nós a repulsão,
O ódio, na aceitação
Que tudo é neutro e amoral:
Aonde estaria o mal?
Eis a etérea questão.
34
Posso aceitar o destino.
Posso ser como um estóico.
E até renegar o heróico
Sentimento ao qual me atino.
Posso amar o desatino
E idolatrar a aflição.
Viver em tal confusão
De não achar ser difuso,
Esse meu viver confuso!
Eis a etérea questão.
35
Se tudo me é permitido,
Visto que do pó eu sou,
O que rege isto que vou
Fazer, mesmo sem sentido?
Nada me é proibido!
O crime é minha missão!
Não existe um só cristão
Que possa me dar saída,
Já que é só pó esta vida!
Eis a etérea questão.
36
Onde estará a certeza
Desta moral deste mundo?
O mal é um vagabundo
Ou um lorde vindo à mesa!
De nada gozo a destreza,
Mas sou destro em ter a mão
Voltada à minha missão
De ser destro em não ser destro
E, assim, minha vida orquestro...
Eis a etérea questão.
37
Se sou pó, todos são pó!
Não valem mais do que eu valho.
Se sou falho, o mundo é falho.
Todos nós somos um só.
Não há culpa, nem há dó.
De nada há a sensação
De necessidade e o vão
Do ser não é preenchido.
Ou é, num mesmo sentido?...
Eis a etérea questão.
38
Não há chance pra concórdia,
Bem como não há por quê
Evitar o fuzuê,
Brindando à misericórdia.
A união e a discórdia
Não têm significação.
Não há por que a tensão
Ser nesta vida evitada
E a paz ser alardeada!
Eis a etérea questão.
39
Os fanáticos jamais
Poderão ser contrafeitos,
Porém, não serem aceitos
Não vai ser nada de mais.
Pois, amigos ou rivais,
Os seres todos estão
Numa mesma posição
Como tudo neste mundo,
Vão, infrutífero, infecundo.
Eis a etérea questão.
40
Quem domina pode ser
Mau ou bom, sem haver nisso
Qualquer dado compromisso
Com a moral do viver.
Não há nem por que vencer
Nem perder nesta ilusão
Que vivemos, por razão,
De querermos insistir,
Mas sem nada discernir.
Eis a etérea questão.
41
Não ligo se sou taxado
De tolo, ignorante ou louco,
Pois “entendo”, pouco a pouco,
Que não sou mais que um bocado
De átomos num mundo dado
Ao crime sem solução,
Ao viver sem perfeição,
À duvida de se existir:
Não há nada a discernir!
Eis a etérea questão.
42
Venho tomar a palavra,
Mas, quando a tomo, percebo
Que eu sou somente um efebo
Sem achar frutos na lavra.
O entendimento azinhavra
Diante da incompreensão,
Dada a vazia missão
De um mundo que gira em torno
De um irracional transtorno...
Eis a etérea questão.
43
Todo globo rotaciona
Sem o mínimo motivo.
Não sei nem por que é que eu vivo!
Por que o mundo veio à tona?
Nada aqui nos direciona.
Tudo gira sem razão.
E a nossa grande missão
É navegar à deriva
E, disso, nada nos priva.
Eis a etérea questão.
43
Leis são pra serem quebradas!
E não, por mesmo motivo!
Mas se do sentido eu privo
Minhas asserções alçadas,
É que tudo nestas dadas
Vias da vida é em vão:
Problema sem solução;
Teatro de marionetes,
Sem plateias, sem vedetes!
Eis a etérea questão.
44
O que é que eu devo fazer?
E o que não fazer na vida?
Depois da minha “partida”
Inda poderei morrer?
Há uma alma no meu ser?
Se sim do que é feita, então?
Qual é a nossa missão
Neste chão de mau depósito
Se em nada se vê propósito?
Eis a etérea questão.
45
Irei à Eternidade?
Ou vim do Éter Eterno?
O que vem a ser Inferno?
E Quem é a Divindade?
Existe mesmo a Verdade
Que ilumina e traz ao chão
A certeza da Missão
Sacramentada da vida?
E o que é a vida vivida?
Eis a etérea questão.

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