segunda-feira, 14 de setembro de 2015

“Na Rua do Cemitéro” - Da série "Assombrações de Tabira" - Felipe Amaral


“Na Rua do Cemitéro”
(Por Felipe Amaral)

1
Vi um isprito rondano
Casa véa e casa nova.
Morto que fugiu da cova
Pra ficá perambulano.
Aima vadia assombrano
O povo que eu considero.
E uns isqueleto funéro
Correno no vilarejo…
Porém, tudo isso eu só vejo
“Na Rua do Cemitéro”.
2
Eu vi uma’aima penada,
Se pariceno a disgraça,
Correno no mêi da praça
Num ôto vurto amuntada.
E uma’ôta dipindurada
Num gai, rezano um “mistéro”.
Chega me fartô critéro
Pra’avaliá o negóço,
Que tem tudo o qué de troço
“Na Rua do Cemitéro”.
3
Passa mulé sem cabeça
Ô cum cabeça demais,
Vurto na frente e atráis
De fantasmada travêssa.
Aima de conde e condessa
Inda do tempo do Impéro…
E uns diz num passá de mero
Devanêi da minha mente,
Já que isso eu vejo somente
“Na Rua do Cemitéro”.
4
Tem lubisome que vem
Se transfoimá só ali,
Bicho sortano assuví,
Anjo do mau e do bem.
Papa-figo tem tombém.
Vurto da cô de minéro,
Isprito ingraçado e séro,
Aima feósa e bunita,
Tudo o qué coisa isquisita
“Na Rua do Cemitéro”.
5
Cavêra se isvuaçano,
Bruxo fazeno magia,
Catimbozêra nas guia
Se remexeno e fumano,
Isprito véi ispreitano,
Aima fazeno intrevéro,
Fantasma “bateno um léro”
Cum ôto da mêrma cova.
Tem tudo e, quem vê, comprova,
“Na Rua do Cemitéro”.
6
Vampiro atráis de pescoço,
Múmia dos quarto alejado,
Bicho-papão invurtado,
Caipora im bêra de poço,
Saci procurano o osso
Da perna no necrotéro,
Pra’acabá cum disintéro
Dos pé cuns ósso dos ôto…
Só tem malassombro iscrôto
“Na Rua do Cemitéro”.
7
Difunta véa passano,
Difunto véi se bulino,
Rasga-mortaia surrino,
Na casa, as têa arranhando.
Um corvo preto intuano
O seu canto deletéro
Nu’istante que bate as zero
Hora, intrano a madrugada…
Tudo o qué de aima se agrada
“Da Rua do Cemitéro”.
 8
Num agüento mais passá
Pur aquele territóro,
Pur isso apelo e imploro
Pra num passá mais pur lá.
E, a quem se propõe andá
Lá pur aquele hemisféro,
Eu digo que só ispero
Que num tope cum isprito
Quando passá no isquisito
“Da Rua do Cemitéro”.



A História de Betânia - Felipe Amaral - (Cordel-Tragédia)

A História de Betânia

1
Betânia vivia longe
Do mundo da capital.
Levava a vida a serviço
Do ambiente rural,
Onde havia se criado,
Sem conhecer o estado
Pleno do mundo atual.
2
Do pai só tinha o aval
De sair na quarta-feira.
E, assim mesmo, com ele
Por companhia primeira,
Que outra era a da sua irmã,
Que lhe causava um afã,
Implicando a tarde inteira.
3
Sua vida era grosseira,
O sítio era o seu “madeiro”.
Havia um grupo escolar,
Mas o ensino era grosseiro,
Igual à sua vivência:
Um roseiral sem essência;
“Flor de aroma” sem cheiro.
4
Se, do convívio roceiro,
Uma vez só por semana,
“Fugia”, por ir á rua
Ver a convivência urbana,
Mas nada a satisfazia,
Porque, no morrer do dia,
Voltava à sua choupana.
5
Betânia nem tinha "grana"
Nem um plano pra seguir.
Não queria estar no sítio,
Mas não podia sair.
De lotação pra cidade
Ia, mas tinha vontade
De não voltar pra não ir.
6
Havia ali um porvir
Que, há muito, já perseguia
Seu sonho de ir-se embora
Pra viver, dia após dia,
Longe da vida rural,
No desfrute social
Dos ares que a rua envia.
7
Ali no seu sítio havia
Um rapazinho “legal”,
Mas que, diferente dela,
Prezava a vida rural.
Esse a queria, em secreto,
Só que não tinha um projeto
Para abordá-la afinal.
8
Francisco Luís Vital
Era o nome do rapaz,
Moço pouco “descolado”
E ainda com pouco “gás”
Pra o “lado” dos “arrodeios”,
“Xavecos” e galanteios
Comuns naqueles locais.
9
Se bem que nada de mais
Seria quebrar a praxe (ch),
Já que a menina em questão,
"De esboço traçado à guaxe" (ch),
À moda se dispusera
E, por causa, disso era
Uma peça sem encaixe.
10
Qual um avião “Apache”,
O tempo passou ligeiro
E Betânia decidiu
Por tomar outro roteiro
Diferente do de outrora
E, não achando melhora,
Seguiu seu viver roceiro.
11
Mas o rapaz, sem dinheiro
E sem qualquer maladragem,
Que antes muito a cobiçara,
Fez do futuro vantagem.
Tomou rumo. Foi à rua.
E, na capital, a sua
Vida mudou de imagem.
12
Francisco, a cada viagem,
Mais e mais compreendia
Que a aparência convence
E a esperteza é a via
Pra se ganhar tudo mesmo…
Mas que, pra “se achar a esmo”,
É só "baixar a quantia" .
13
E o filme do dia-a-dia
Prepararia a surpresa.
O Francisco voltaria
À sua terra indefesa
Pra defender, em visita,
A virilidade aflita
De outros tempos, com certeza.
14
Ao retornar, viu acesa
Ainda a chama do amor.
Agora, bastante audaz
E cheio do’ávido fervor
De um ego experimentado
E, já muito bem treinado
Pelas mãos do destemor.
15
Todos queriam “se pôr
Diante daquela lagoa”.
Mas não sabiam que aquele,
Antes tão boa pessoa,
Estava completamente
Mudado de corpo e mente,
Mas não com mudança boa.
16
Betânia, “na mesma loa”,
“Cantava a mesma cantiga”.
Não estando sem marido,
“Fazia medo uma briga”!
Mas, diante das trevas densas,
Não sendo às suas expensas,
Qual é a mulher que liga?!
17
Ela até fazia figa
Pra que o tal desnaturado,
De aparência diferente
E “status” já confirmado,
“A viesse”, por engodo,
Possuir-lhe o corpo todo
Pra o erro ser consumado.
18
O marido, no arado,
Pensando em fazer feliz
Uma mulher enganada
Pelas serpentes hostis
Do pecado sorrateiro,
Mas a mulher no terreiro,
Querendo o que antes não quis.
19
Depois de uma vez, um bis,
E ela já’stava em total
Controle da “vil serpente
Do pecado original”...
E o mais a fazer foi rir,
Após tentar impedir
Do’homem sair do local.
20
Da traição passional
Ao desfecho desmedido,
Francisco enfiou-se mais
No despudor pretendido,
E a guerra não se atrasou,
E aí foi que o “pau quebrou”,
Mas “nas costas” do marido.
21
Francisco veio bandido
Do mundo da capital.
E, se bandido ele veio,
Sob a couraça do mal,
Não iria “abrir da raia”:
Fez da briga uma gandaia;
Das mortes, um carnaval.
22
Todo o mundo, no local,
Comenta as mortes, que geram
Pra o matador como um prêmio
Dos dias que não fizeram
O papel imprecatório
De evitarem todo o’inglório
Espetáculo merencório
Por risos que não tiveram.

Autor: Roberto Felipe Amaral

Davi i Gulia (História - Embolada Matuta) - Poeta Felipe Amaral

Davi i Gulia
(História - Embolada Matuta)

Refrão:
Vô contá, vô contá
Uma istóra nesse dia
Sôb Davi i Gulia
Na cidade de Judá.

1
Davi era inda minino
Quando ele infrentô Gulia.
Pasturiá as uvêa,
Esse era o seu dia-a-dia…
E inda era o fii caçula
Dos oito irmão da famia.
2
Már o que ninguém dizia
É que esse tá cidadão,
Um dia, infrentô um usso
E agarrô-se cum lião
Pra prutegê as uvêa
Qui era do seu patrão.
3
U animá im questão
Si abufelô lá cum ele.
Os dois cairo no chão.
Davi deu-le um murro nele
E inforcô u lião
Cum pêlo da juba dele.
4
Um ispetaco daquele
Quebrava quaiqué tabu.
E ele usô inda essa istóra,
Mostrano tê gênio cru,
Pra cunvencê os sordado
Du izécito de Saú.
5
Ninguém do norte ô do sú”
Impidiu dele falá.
U rei Saú le uviu,
Dispois que mandô chamá
Pra vê cuma era u rapáiz
Que quiria guerriá.
6
É que no Vale de Elá
Tava o izécito de Israé,
Tudo morreno di medo
E sem cumprí u papé
De inviá um pra matá
U gigante ali de pé.
7
U povo tava sem fé
Que pudesse ali vencê
U gigante filisteu,
Que inda insistia im dizê
Quéra forte e que num tinha
Ninguém pra le cumbatê.
8
Gulia tinha o pudê
Duns vinte tôro cervado
E a sua artura era tanta,
Que ele já era chamado
De gigante pelo povo
Que li tinha obisservado.
9
Davi, ao tê iscutado
O desafii do gigante,
Dixe que quiria í
Cunvessá cum comandante
E pidí pra infrentá
Gulia naquele instante.
10
Uviu argo interessante
Da boca do rei Saú
De que quem lá derrotasse
O gigante, sem lundu,
Ganhava a fia do rei
Dispois, sem ninhum tabu...
11
Inda ganhava um baú
De ôro e prata da mió.
Só era vencê aquele
Gigante ali, sem tê dó…
Intão Davi dixe: - Eu vô,
Cum fé no Deus de Jacó!
12
Davi se apresentô só
Naquele canto, em Judá.
O peso da armadura
Num pudia carregá.
Jogô a bicha no mato
E, assim mêrmo, foi lutá.
13
Butô péda no borná.
Pegô uma atiradêra
E o cajado que usava
Na labuta rotinêra
De arrebanhá os cordêro
Na intrada da portêra...
14
Gulia, na diantêra,
De seu batalhão crué,
Viu Davi se aprossimano,
Már nele num butô fé.
Cumeçô rí do sujeito,
Inquanto inda tava im pé.
15
Porém, só “fez pôco” até
Davi pegá sua funda,
Já armada duma péda,
E mirá na testa imunda
Do gigante que quiria
Le vê na cova profunda.
16
Chega ele ficô corcunda
Quando a péda le acertô.
Cambaliô duas vez,
Só que, aí, num agüentô,
Caiu de cara no chão
E nunca mais levantô.
17
Intão Davi se apressô
Pra cortá sua garganta.
Dispois a tropa todinha
De Israé, com fôça tanta
Correu contra os filisteu.
E o povo de Deus venceu
Ali a batalha santa.

Autor: Roberto Felipe Amaral

As Visão Du Apucalipse - (Baseado no Capítulo 12 de Apocalipse) - RF Amaral

As Visão Du Apucalipse
(Adaptação matuta)
Por Felipe Amaral

 1
Eu vi um siná no cé,
Mais paricia um dragão,
Vermêi, cum sete cabeça
E em cad’uma uma pução
De diadema impencado
E mais dez chifre avurtado
Nessa visage im questão.
2
Inda vi nessa visão
Esse dragão arrastá
A têça parte de istrêla
Que no cé vê-se a brilhá.
E, abrino o cé, pra que eu veja,
Pude assistí a peleja
Cuns anjo de Jeová.
3
O dragão pôis-se a lutá
Contra o arcanjo Migué.
E os anjo mau se batêro
Cuns anjo bom lá no cé.
E, após a luta travada,
Os anjo mau fez parada
E batêro im macha-ré.
4
E, seno ixpusso o crué
Dragão e seu batalhão,
Fôro atirado pu terra
E eu vi a proclamação:
Seja o pudê ao Sinhô.
Foi ixpusso o acusadô
Que pirsiguia os irmão.
5
Inda na mêrma visão,
Eu vi sino do má
Uma besta  com dez chifre
(Cheguei inté me assustá!),
Nos chifre, dez diadema
E abominação ixtrema
Nos nome que uvi falá...

sábado, 12 de setembro de 2015

A Inflação do Além (Da série Assombrações de Tabira ) - RF Amaral


A Inflação do Além
Por Felipe Amaral
1
Fui passiá na madruga
Após tê pirdido o sono.
Cheguei na praça pra vê
Se achava argum cão sem dono.
Már num achei foi ninguém.
Parti de vorta sem nem
Tê cum quem me acumpanhá.
Porém, na vorta, eu sinti
Um medo grande e previ
Que a coisa ia piorá.
2
Deu-me um frii nos ispinhaço
Que me gelô pu compreto.
Pensei num tá mais sozin,
Már num quis sê indiscreto.
Cotinuei prossiguino,
Imbora, um negóço fino
Já caminhasse a meu lado.
Era franzino o isprito,
Tinha um andado isquisito,
Már caminhava calado.
3
E eu num quis puxá cunvessa
Cum aquela assombração.
Tarvêiz tivesse vortano
Lá da sua ocupação
E se mostrasse cansada,
Num quereno falá nada
Nem pará pra coisa arguma.
Intão dicidi ficá
Im silenço e só andá
Sem tentá coisa ninhuma.
4
Már num é que, após uns passo,
Ela isboçô uma ação!
Gesticulô, fez careta,
Tentano aproximação
E adispois chegô pra mim,
Dixe como tava ruim
O negóço prus fantasma.
Tava ajuntano uns “reá”,
Már num pudia comprá
Um televisô de plasma.
5
Ao que falei: - É a crise!
Tá duro pra todo mundo!
Dizem que, até no Além,
Já passam cheque sem fundo!
E o isprito arrematô:
- É verdade sim, sinhô!
Eu já sufri desse gópe.
Que fantasma brasilêro,
É quáij tudin trambiquêro.
Pra robá num tem “istópe”.
6
Eu balancei a cabeça
E preguntei sem pensá:
- Quá mansão você assombra
Ô tá pensano assombrá?
E ele arrespondeu, traqüilo:
- Tô assombrano um asilo.
Már o saláro é piqueno.
Bem antes dessa inflação,
Eu assombrava mansão,
Már num tão mais me quereno.
7
-Três boca pra’alimentá
E esse meu útmo patrão
Me dispensô do imprego
Sem quaiqué tramitação.
Nem me pagô os direito.
Falô “Isso eu num aceito!”
“Procure um adevogado!”
Tenho um, até, na famia.
Tô só isperano o dia
Do peste virá finado.
8
Cunvessei umas três hora
Cum aquele falecido.
Preguntei dos presidente
Que pra lá tem, presidido.
Ele me falô uns nome
Duma cambada de home
Que já passô nesse chão,
Que eu chega fiquei irado…
E, hoje, eu só viro finado,
Se fô numa’ôta nação!