segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Pensamento Divagante e Eu - Felipe Amaral

O Pensamento Divagante e Eu


"É o céu nublado. Deve ser". Quando as nuvens estão todas agrupadas em frota “anti-estio” e os pensamentos remetem-te ao mais distante. Quando os mundos possíveis parecem fazer-se reais todos de uma só vez. Quando a exatidão dá lugar à alegria tão somente. Não há mais nada que explicar. O mundo fez-se melhor. Olhei a tarde da janela e vi um cinza lindo. O paraíso ainda não chegou, mas bem que parece ter estacionado em minha garagem. E, olha que eu nem tenho uma! "Acho que tudo são sonhos. São sonhos. Fica tranqüilo. A hebetude vai passar. Os fatos vão chegar, trazendo o real realmente". Mas não me incomodo muito com isso de realismo. Na verdade, relevo de forma tal que o mundo mais aparenta ser um eterno conto. Um canto. Um riso. Uma praça enfeitada em noite de natal. Um presente sempre é visto como uma dádiva imerecida por mais que seja apto o que a recebe. Não sei, mas creio eu que irá chover mais tarde. Talvez seja eu querendo voar. Talvez seja insolação. Talvez seja... seja... a paz da quimera que aflora em meio ao terror da realidade. As crianças somos nós! Por mais que conheçamos "de" Geometria e Física Newtoniana, ficamos sempre sujeitos às fantasias. É o tempo que passa! Deve ser esse tempo. Deve ser algo que eu não explico. A dor bem poderia já ter voltado, mas permanece tudo tão quieto. Permaneceu em paz o horizonte, então tudo permanecerá. Sim, permanecerá. Mas existe algo eterno de fato? Não quero explicações a esta hora do dia, embora seja segunda-feira. Embora seja irrequieto o mundo neste dia, clara como a luz do meio dia é a certeza do contentamento algum dia na vida. Não seria para alguém? Talvez sim. Acho que estou me deixando levar pela irracionalidade. Mas... fazer o quê? Decerto, no mundo, não há nada tão certo mesmo quanto dois mais dois, categoricamente, tem que ser quatro. O mundo é cheio de contradições, amigo Pensamento Divagante. O mundo não é mais real ou mais sisudo, é mais alguma coisa só se tomarmos por certa a concepção da maioria. Nada precisa ser como é ditado pela turba ensandecida. Nada precisa ser nada do jeito que é. Nada o é, de fato. Tudo não passa de uma ilusão. Estamos fadados à ilusão. E ainda pensamos se tratar de realidade!... Veja que absurdo! Mas as ideias já começam a se desfragmentar. É hora de parar. É pena parar. Paro agora e olho lá fora: o mundo já começa a ficar chato. Não sei por que a realidade tem que ser a da maioria não-sonhadora. E a lei também. Deixa-me parar. O campo da revolta é escorregadio. O campo do sonho irá retornar qualquer dia desses. Tchau, Pensamento Divagante. Posso te ver de novo qualquer dia? Diz-me, então, tu, ó Pensamento: “Quando menos esperares. Então... não espere... viva!”

Crises Existenciais – Felipe Amaral - 5 Sonetos

Crises Existenciais – Felipe Amaral
1
Tudo faço na vida para ver
Crescimento e não vejo o incentivo
Que preciso. O que vejo é só motivo
De lamento, tristeza e desprazer.

Sou artista, o que faço é descrever
O que sinto e cantar, pelo atrativo
De aprazer quem me escuta, e dar avivo
Ao melhor que se possa promover.

Mas só vejo desprezo à minha arte.
Só encontro repulsa em toda parte.
Só diviso agressivas aversões.

O meu mundo ruiu em vitupério.
O meu plano de vida é deletério.
E o meu ser já sucumbe às aflições.
2
Tola gente que passa e não escuta
Os chamados do acerto e da razão.
Tola gente que vive em disfunção,
Mas insiste em teimar que o bem desfruta.

Não há certo, e o errado de conduta
Vê-se bem e triunfa na “missão”
De buscar promover tudo o que é vão
E sem préstimo algum, sem ver disputa.

O que tenho a fazer é pôr alguma
Instrução – frente à negra e espessa bruma –
Na cabeça do povo que me vê.

Só que tudo o que faço é desprezado.
O correto tornou-se o que é errado.
E o alerta de “Pare! ninguém lê”.
3
Penso em ir para longe, mas contenho
À vontade e, tristonho, permaneço
Neste chão, a tentar gerar apreço
Ao que é bom neste povo a que me atenho.

Mas só bebo arrogância, se me empenho;
Mas só sorvo desprezo, se ofereço
O que é digno de glória. E arrefeço
Ante o mal e em quebranto me mantenho.

Não encontro incentivo para o bem
Que promovo. E lamento que ninguém
Vise alguma mudança: e a dor piora.

O meu ser não agüenta ver tamanho
Menosprezo e sucumbe ante este estranho
Ambiente que o frívolo incorpora.
4
A mudança de mente é desprezada
Pelos tolos que passam pela rua.
A vaidade é um ídolo e tem sua
Honra bem promovida e resguardada.

O que o povo deseja é ver-se, a cada
Dia, cheio de si. E o mal atua
Fabricando uma gente que acentua
O orgulho e a humildade só degrada.

Idolatram seus bens. Cultuam tudo
Que conseguem. E vivem nesse agudo
Enchimento de ego chulo e vil.

Tudo fazem por meio de conchavos.
O que fazem é torpe e gera agravos
No já fraco caráter do Brasil.
5
Não suporto ver tanta indiferença
Para com o correto e salutar.
Não suporto o descaso do lugar
Com o bem da justiça que compensa.

Os injustos triunfam sem sentença.
Os honestos são mortos por vulgar
Ser que fere a eqüidade e faz passar
O cruel por fiel, sem ver ofensa.

A cultura degrada-se no lodo
Da torpeza de um povo sem denodo
Para com a defesa do que é justo.

O negrume do mal já toma o todo.
O bem sofre do mesmo o vil apodo
E ninguém toma o mais ínfimo susto.



quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Sonetos Terroríficos (Poeta Felipe Amaral)

Sonetos Terroríficos

1
A caveira sonâmbula me via
Na estrada, sozinho a caminhar.
Perseguia-me andando devagar.
E eu, zeloso e com medo, prosseguia.

As risadas macabras desse dia
De espantoso noturno vil penar
Ressoavam no espaço do lugar
E assombravam meu corpo que tremia.

Entre cruzes passei. A bruma vi.
O frisson da calada. O frenesi
Que o meu sangue atestava ante o abismo.

Eram certas as dores. Certas sombras
Envolviam-me ali ante as alfombras
E o meu fim constatou-se no exotismo.
2
A calada noturna me envolveu
Certo dia, a caminho da cidade.
A estrada calada, na verdade,
Resguardava um assombro em meio ao breu.

O sossego se foi e o apogeu
De um medonho pavor que o peito invade
Dominou-me ali mesmo e a sanidade
Se desfez frente à dor do corpo meu.

Via covas abertas. E o sepulcro
Da tristeza, de rosto nada pulcro,
Assustava-me diante do ar local.

O céu negro inspirava morte e medo.
Rastejava o fantasma louco e tredo
Da matança e imperava a mão do mal.
3
Certo dia, a andar pela avenida
Numa noite de escuro incomparável,
Avistei abantesma vil e a estável
Sensação se desfez e a paz garrida.

A correr, até quis buscar guarida
Onde achasse descanso da odiável
Criatura cruel e inefável
Que buscava me ver posto em jazida.

Apressei-me. Bradei. Ninguém ouviu.
Via a rua deserta. Sucumbiu
Do meu ser a esperança do porvir.

Na certeza da morte me encontrei.
Era o medo da noite, mas eu sei,
Não há mais alegria no existir.
4
Umas gárgulas vi no céu nublado.
Um fantasma de rosto indistinguível.
Esqueletos andantes. Uma horrível
Sensação me envolveu e eu fui tomado.

Os vampíricos medos do passado
Infantil me assolaram na indizível
Emoção de terror imarcescível
Que me vi sobrevir ante o valado.

Gargalhadas ouvi e me espantei.
O prodígio do mal eu avistei:
O horrendo semblante maquiavélico.

Todo o riso escapou. Fugiu a paz.
Esperança não vi. Não fui capaz
De furtar-me a esse mal mefistofélico.
5
Vi no lodo uma lesma rastejante
Que buscava detritos corporais.
Entre tigres, hienas e chacais
Encontrei-me no afã de vil instante.

Quis correr de uma fera “esbravejante”
Que babava ante a lama em antros tais
E uma gárgula de ares infernais
Capturou-me: era horrendo o seu semblante!

Vi-me em fossa. E eis que o fosso devorava
Os meus sonhos. A dor já me abraçava.
O sossego se foi. A paz partiu.

Sou das grades do mal um prisioneiro.
Tenho o “capro” terror por companheiro.

Ante o choro o meu riso sucumbiu.