Fragmento
26
Ó
Deus, sou um mero ser que sonha. Há sonhadores em todos os cantos.
Não precisaria ir longe para encontrá-los por aí. A vida
deleita-se nos sonhadores, mas termina por matar muitos deles de
fome. Na sarjeta. O lodo os consome. Quero estar livre. Livre da
negra sorte. Rindo. Não admiro a lua em vão. Não escrevo o que
escrevo buscando o nada. O vazio não me atrai. Às vezes, busco-o,
mas não para pairar no vazio para sempre, mas para concentrar-me, de
antemão, em algo vislumbrado no vazio. E a noite esfria. Os copos enchem-se
de café. O café (estabelecimento!) enche-se de gente. São pessoas
que buscam tudo. São aventureiros. Como o são os roteiristas de
cinema. Como o são os cineastas. Gosto dos cineastas. São pessoas
que fazem coisas produtivas com seus sonhos. São poucos que têm o
privilégio de fazê-lo. São poucos. Talvez deva ir longe. Não
voltar. Retornar só em mente quando sentir saudades. Não senti-las.
Viver leve para com os sentimentos e duro para com os sofrimentos. Leve –
sorver o melhor; duro – engolir seco sem chorar. Nem hesitar
deveria. Deveria evitar o mal de ficar aqui. O povo não sabe o que
sobrou daquilo que fez com a cidade. Iludem-se pensando que restou algo
prestável. São amantes de si mesmos. O guerreiro deve se manter, ao
máximo, longe de trechos, dentro dos quais, possa vir a ser
encurralado: erro “Crasso”! Não estou a fim de bancar o jantar.
Peço uma mesa para um e saio pela tangente quando termino. Os
homicidas não me vêem. Quando notam, estou distante. O ônibus já
tem me pego. E eu retorno ao lar. O colchão espera-me. Deito e
durmo. Sonho em não mais precisar sonhar acordado, só viver uma
realidade onírica. Boa noite.
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