quarta-feira, 16 de março de 2016

Sonetos de Persistência por Felipe Amaral


Sonetos de Persistência
por Felipe Amaral
1
Ventos ávidos, ventos de além-mar
Que infestais minha vida de ilusão!
A liteira onde vai, em procissão,
Rei dos sonhos que deixo de sonhar.

Far-se-ia melhor este ofegar,
Que é constante pungir de coração
Que persiste a bater, na intenção
De, rebelde, insistir em me enganar?

Far-se-ia melhor esta existência?...
É o golpe mortal da persistência
Que me põe à mercê deste sepulcro.

Sem esteio, caminho a rir doidices,
A falar coisas loucas, chocarrices...
Corpo frio sem escora; alma sem fulcro.
2
Vejo ao longe ideal realidade,
Mas, por mais que caminhe, não alcanço.
Não há riso na vida; e, sem descanso,
Não há vida na vida, na verdade.

Barco solto, sem velas, na vontade
De querer ganhar mares sem avanço.
O insistir em cair no solo manso
Do marasmo que mata a liberdade.

É a doce e onírica quimera
Que se esvai no silêncio da cratera,
No arquejar do sepulto corpo inglório.

O notório porvir sem ar notável;
O correr sem chegar; o inexorável
Prantear de um viver vão merencório.
3
O ilusório sonhar dos esquecidos
Talvez seja o motivo do ostracismo
Que os eleva ao altar do fundo abismo
De ilusões, a torná-los mais perdidos.

O ilusório viver desses caídos
Na valeta, sarjeta, num batismo
De desgraças que matam o lirismo
Que bem fora-lhes graça, em tempos idos.

Mas não há mais aplausos nem sorrisos.
Nem o palco mais doa os áureos pisos
Aos seus pés já cansados de seguir.

Não há nada nas ruas para o louco.
Não há nada... Não há... Nem há tão pouco
Piedade em seu mísero porvir.
4
É um pobre mendigo que manqueja
Pelas ruas, pedindo o pão diário.
É retrato de um homem que o fadário
Transformou numa coisa que rasteja.

É o pó sem o dó que o ser deseja.
É um só como um Jó que um emissário
Estarrece co'as novas, em horário
De banquete que as mesmas não enseja.

Só que tudo se faz desnorteante...
Só que agora o prazer deixa o instante
Para que algo tão fúnebre se avulte.

O desejo decai, o ser suspira.
Toda a força se esvai e, assim, expira
Um varão pra que a mão do mal sepulte.
5
Antes risos sem fim, mil maravilhas,
Mas agora um tufão de vendavais.
Resta ao ser relembrar uma vez mais
Os momentos de paz em suas trilhas.

Perde o sonho. Da vida, perde as filhas.
Os rebentos dos sonhos figadais.
Não há quem se apiede dos umbrais
Do seu lar de ilusões: imersas ilhas!

Pede a Deus para ver de novo gozo.
Suplicante, humilhado, ao Poderoso
Ele implora o socorro divinal...

Ninguém sabe explicar sua desdita.
Não há sábios por perto e a bendita
Esperança perece no final.
6
Deus que aos pobres ouvis, ouvi, suplico-vos,
Meu clamor de tristeza e desalento.
Recriai novo espírito, um rebento,
Nesta alma... Eis que a fé – por fé – dedico-vos.

Deus que o mundo criais, fazei. Aplico-vos
Minha fé – pobre fé! - neste momento.
Operai, ó Eterno, em advento
De Alegria, o socorro que adjudico-vos.

Pai das almas, tornai a dar a vida
A um, vosso lacaio, que a ferida
Da cruel provação fez claudicante.

Pai do cosmos, salvai este leproso!
E que a paz torne a dar à vida gozo
Pra que o corpo jubile e a alma cante.

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