O
Crânio de Valdemar
1
Andando
no sítio, um dia,
Eu
me deparei co'um crânio,
Talvez
de algum conterrâneo
Que,
há muito, morrido havia.
E
decidi que haveria
De
levá-lo pra meu lar,
Lavá-lo
e o envernizar
Pra
bibelô, pois gostava,
Sem
saber que se tratava
Do
crânio de Valdemar.
2
Coloquei-o
no escritório,
Em
cima da escrivaninha,
E
o crânio tornou-se a minha
Obsessão,
meu grimório.
Meu
apego era notório
Àquela
peça sem par.
Comecei
a conversar
Sozinho
com essa peça,
Sem
saber que era essa
O
crânio de Valdemar.
3
Pouco
a pouco, fui botando
Na
mente estranhas ideias,
Longe
dos olhar das plateias
Que
me fitavam zombando.
Já
estava me instalando
No
escritório, pra ficar,
Por
mais tempo, a papear
Com
aquele crânio antigo.
Era
o meu melhor amigo
O
crânio de Valdemar.
4
O
povo nem suspeitava
Que
eu, de fato, poderia,
Por
meio de uma magia,
Ouvi-lo
quando falava.
E
o fato é que eu já provava
De
um diálogo exemplar
Co'o
crânio, mas não a par
De
como isso era possível...
Tinha
sempre um papo incrível
Co'o
crânio de Valdemar.
5
Ele
sempre me ajudava
Co'as
causas judiciais,
Resolvendo
as cruciais
Nuances
que eu nem notava.
Escrevia
o que ele estava
A
me dizer pra falar
Quando
da hora de estar
De
frente do tribunal.
Venci
sempre com o aval
Do
crânio de Valdemar.
6
Não
saía do escritório,
Sem
ser por razão vital,
Pois
nunca me via mal
No
meu labor meritório.
E
em nada era merencório
O
papo familiar
Que
insistia em encetar
Co'o
crânio da minha sala,
Que
adorava ouvir a fala
Do
crânio de Valdemar.
7
Mas,
um dia, alguns parentes,
Sabendo
das circunstâncias,
Deixaram
suas estâncias
Pra
se fazerem presentes
No
meu lar, com insistentes
Conselhos,
de par em par,
E
eu, não querendo escutar,
Parti
pra o meu escritório
para
mais um consistório
Co'o
crânio de Valdemar.
8
O
caso é que eu tinha posto
Minha
família de lado
E
olar já tinha deixado,
Dando
à mulher um desgosto.
E
uns diziam que um escosto (^)
Viera
a se apoderar
De
mim, por eu colocar
O
tal crânio em minha vida,
Que,
agora, era só vivida
Co'o
crânio de Valdemar.
9
Minha
esposa engravidando,
Tive
que dar-lhe atenção.
Deixei
a repartição,
Voltando
de vez em quando.
Mas,
ao mudar o comando
Da
vida particular,
O
crânio veio a se achar
Sem
nenhuma companhia.
Só,
numa sala vazia,
O
crânio de Valdemar.
10
O
escritório foi ficando
Ali
em segundo plano,
Já
que era mesmo o ano
De
eu estar me aposentando.
Eu
até tava mandando
Pra
ficar em meu lugar
Um
jovem peculiar
Que
advogava bem
E
dava atenção também
Ao
crânio de Valdemar.
11
Aposentei-me
do cargo
E
me ausentei do recinto
E
aquele jovem distinto
Tudo
ocupou sem embargo.
Tendo
um currículo largo,
Não
veio a se embaraçar
Co'a
lida protocolar
De
um titular causídico,
Ganhando
apoio jurídico
Do
crânio de Valdemar.
12
Começou
ganhando lutas
Sem
intervalos crescentes
E,
tão logo os concorrentes
Souberam
de tais disputas,
Iniciaram
labutas
Pra
poderem desbancar
O
moço espetacular
Que
toda questão ganhava –
Só
que a vitória emanava
Do
crânio de Valdemar.
13
O
jovem tornou-se alguém
Soberbo,
devido às glórias
E,
ao acumular vitórias,
Não
quis sabe de ninguém.
E
o “crânio” fê-lo refém
Da
pompa sem similar
Que
insistia em ostentar
Durante
a sua jornada,
Tendo
a alma acorrentada
Ao
crânio de Valdemar.
14
O
“crânio”, então concebeu
Ali
seu nefasto plano,
Pondo
esse jovem humano
Contra
o antigo dono seu.
Daí
o jovem cresceu
Numa
ira indisciplinar,
Co'o
plano de assassinar
Seu
chefe antigo “em dissídio”,
“fazendo
ser” suicídio,
Co'o
crânio de Valdemar.
15
Certo
é que a fabricação
Da
cena foi “impecável”
E
o que era injustificável
Faz-se
única explicação.
O
jovem, na região
Continua
a trabalhar
E
não há quem possa dar
Um
fim a suas vitórias,
Que
são, na verdade, glórias
Do
crânio de Valdemar.
16
No
além, eu fiquei sabendo
Que
Valdemar fora (^) um bruxo
Que
viveu em meio ao luxo
(E
continua vivendo!)...
Quando
já tava morrendo,
Fez
um ritual no altar
Para,
ao morrer, conservar
O
seu crânio ainda vivo...
Chamado
é por tal motivo
De
crânio de Valdemar.
17
Esta
lenda ilustra bem
As
tragédias desta vida.
Mas
há algo que convida
O
ser a ir mais além.
Pois
há de existir alguém
Que
um fim possa colocar
Na'injustiça
e reparar
Qualquer
dano provocado
E,
assim, há de ser julgado
O
crânio de Valdemar.
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