quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O Crânio de Valdemar

O Crânio de Valdemar
1
Andando no sítio, um dia,
Eu me deparei co'um crânio,
Talvez de algum conterrâneo
Que, há muito, morrido havia.
E decidi que haveria
De levá-lo pra meu lar,
Lavá-lo e o envernizar
Pra bibelô, pois gostava,
Sem saber que se tratava
Do crânio de Valdemar.
2
Coloquei-o no escritório,
Em cima da escrivaninha,
E o crânio tornou-se a minha
Obsessão, meu grimório.
Meu apego era notório
Àquela peça sem par.
Comecei a conversar
Sozinho com essa peça,
Sem saber que era essa
O crânio de Valdemar.
3
Pouco a pouco, fui botando
Na mente estranhas ideias,
Longe dos olhar das plateias
Que me fitavam zombando.
Já estava me instalando
No escritório, pra ficar,
Por mais tempo, a papear
Com aquele crânio antigo.
Era o meu melhor amigo
O crânio de Valdemar.
4
O povo nem suspeitava
Que eu, de fato, poderia,
Por meio de uma magia,
Ouvi-lo quando falava.
E o fato é que eu já provava
De um diálogo exemplar
Co'o crânio, mas não a par
De como isso era possível...
Tinha sempre um papo incrível
Co'o crânio de Valdemar.
5
Ele sempre me ajudava
Co'as causas judiciais,
Resolvendo as cruciais
Nuances que eu nem notava.
Escrevia o que ele estava
A me dizer pra falar
Quando da hora de estar
De frente do tribunal.
Venci sempre com o aval
Do crânio de Valdemar.
6
Não saía do escritório,
Sem ser por razão vital,
Pois nunca me via mal
No meu labor meritório.
E em nada era merencório
O papo familiar
Que insistia em encetar
Co'o crânio da minha sala,
Que adorava ouvir a fala
Do crânio de Valdemar.
7
Mas, um dia, alguns parentes,
Sabendo das circunstâncias,
Deixaram suas estâncias
Pra se fazerem presentes
No meu lar, com insistentes
Conselhos, de par em par,
E eu, não querendo escutar,
Parti pra o meu escritório
para mais um consistório
Co'o crânio de Valdemar.
8
O caso é que eu tinha posto
Minha família de lado
E olar já tinha deixado,
Dando à mulher um desgosto.
E uns diziam que um escosto (^)
Viera a se apoderar
De mim, por eu colocar
O tal crânio em minha vida,
Que, agora, era só vivida
Co'o crânio de Valdemar.
9
Minha esposa engravidando,
Tive que dar-lhe atenção.
Deixei a repartição,
Voltando de vez em quando.
Mas, ao mudar o comando
Da vida particular,
O crânio veio a se achar
Sem nenhuma companhia.
Só, numa sala vazia,
O crânio de Valdemar.
10
O escritório foi ficando
Ali em segundo plano,
Já que era mesmo o ano
De eu estar me aposentando.
Eu até tava mandando
Pra ficar em meu lugar
Um jovem peculiar
Que advogava bem
E dava atenção também
Ao crânio de Valdemar.
11
Aposentei-me do cargo
E me ausentei do recinto
E aquele jovem distinto
Tudo ocupou sem embargo.
Tendo um currículo largo,
Não veio a se embaraçar
Co'a lida protocolar
De um titular causídico,
Ganhando apoio jurídico
Do crânio de Valdemar.
12
Começou ganhando lutas
Sem intervalos crescentes
E, tão logo os concorrentes
Souberam de tais disputas,
Iniciaram labutas
Pra poderem desbancar
O moço espetacular
Que toda questão ganhava –
Só que a vitória emanava
Do crânio de Valdemar.
13
O jovem tornou-se alguém
Soberbo, devido às glórias
E, ao acumular vitórias,
Não quis sabe de ninguém.
E o “crânio” fê-lo refém
Da pompa sem similar
Que insistia em ostentar
Durante a sua jornada,
Tendo a alma acorrentada
Ao crânio de Valdemar.
14
O “crânio”, então concebeu
Ali seu nefasto plano,
Pondo esse jovem humano
Contra o antigo dono seu.
Daí o jovem cresceu
Numa ira indisciplinar,
Co'o plano de assassinar
Seu chefe antigo “em dissídio”,
fazendo ser” suicídio,
Co'o crânio de Valdemar.
15
Certo é que a fabricação
Da cena foi “impecável”
E o que era injustificável
Faz-se única explicação.
O jovem, na região
Continua a trabalhar
E não há quem possa dar
Um fim a suas vitórias,
Que são, na verdade, glórias
Do crânio de Valdemar.
16
No além, eu fiquei sabendo
Que Valdemar fora (^) um bruxo
Que viveu em meio ao luxo
(E continua vivendo!)...
Quando já tava morrendo,
Fez um ritual no altar
Para, ao morrer, conservar
O seu crânio ainda vivo...
Chamado é por tal motivo
De crânio de Valdemar.
17
Esta lenda ilustra bem
As tragédias desta vida.
Mas há algo que convida
O ser a ir mais além.
Pois há de existir alguém
Que um fim possa colocar
Na'injustiça e reparar
Qualquer dano provocado
E, assim, há de ser julgado
O crânio de Valdemar.

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