Boatos
que o povo conta IV
1
Não
sou de dizer mentira
Nem
desbocar-me em insulto,
Mas,
um dia, deparei-me
Com
a miséria de um vulto.
Repreendi
o infeliz
E,
ele, afrontar-me não quis
E,
após, manteve-se oculto.
2
De
muita coisa na vida
Fui
testemunha ocular.
Já
lutei co'assombração
Que
nos mina o bem-estar
E
até já vi – e dou prova! –
Cadáver
sair da cova,
Deixando
o vão tumular.
3
Já
vi morto dar as caras
Em
espetáculo dramático.
Casa
de janela aberta
Mostrar
vulto fantasmático.
Espírito
chulo andrajoso
E
até rastro luminoso
De
fluido ectoplasmático.
4
Não
prezo necromancia
Nem
com vulto eu me conecto,
Mas
já tive o desprazer
De
ver surgindo do infecto
Da
escuridão um fantasma
Que
deixou minha'alma pasma
Quando
avistei seu aspecto.
5
Não
gosto nem de feitiço
Nem
qualquer serviço imundo,
Mas,
passando perto dum –
Entre
um mistério profundo –
Avistei
um bicho preto
Parecendo
um esqueleto
Da
sepultura oriundo.
6
Não
sou de andar muito tarde
Nem
de buscar, na calada,
Obra
de macumbaria
Que
o povo bota na estrada,
Mas,
um certo dia, eu vi
Como
um vulto de um zumbi
Voando
na encruzilhada.
7
Em
casa, eu já vi de tudo
Que
cause abalo e pavor,
Alma
se olhando no espelho
E
outra no ventilador,
Com
elmo, armadura e gládio,
E
até girando do rádio
O
seu sintonizador.
8
Deparei-me
com espírito
Fazendo
aparecimento
No
banheiro lá de casa
E
outro lá, tomando um vento
Na
janela da cozinha...
E,
constantemente, eu tinha
Com
isso um assombramento.
9
Espectro
que causa horror
Só
vem pra trazer enguiço.
Desforra
a cama da gente,
“Faz
e desfaz” o serviço.
Nem
apele pra despacho,
Pois
só piora o escracho
A
miséria de um feitiço.
10
Exorcizei
capetada
De
corpo de conhecido.
Tirei
espanto de casa
De
quem havia morrido.
Mas,
de vez em quando, vejo
Vulto,
porém não desejo,
Só
que o bicho é atrevido.
11
Não
tenho muito a dizer
Pra
desvendar o mistério,
Mas
sempre se encontra alguém
Que
avistou no cemitério
Algum
espírito vagante
E,
em todo caso, é flagrante
O
impacto deletério.
12
Não
gosto de'ir a enterro
De
pessoa velha ou nova.
É
que, quando eu apareço
Toda
vez perto de cova,
Eu
vejo um vulto escondido.
E,
que isso tem ocorrido,
O
povo todo comprova!
13
Tem
alma que do Além
Parece
sofrer desterro.
E
eu que a* alma não me apego
Nem
nutro qualquer aferro (^),
Sou
sempre o mais visitado
Por
fantasma desterrado
Que
escapuliu do enterro.
(*não
pus crase por indefinir
com
o singular)
14
Não
gosto de visitar
Casa
onde existe velório
Que
lá eu avisto sempre
O
evanescente e inglório
Espírito
do falecido...
Mas
sempre o que conto é tido
Por
espetáculo ilusório.
15
Nem
gosto de tomar conta
De
defunto no caixão,
Porque
sempre vejo o mesmo,
Vez
por outra, erguendo a mão
Ou
querendo escapulir
Do
recinto pra sair
Do
vão da repartição.
16
Em
funerária eu não vou,
Pois
que é costume encontrar
Com
alma de falecido
Pedindo
pr'eu entregar
Pagamento
de água e luz
Pra
partir, fazendo jus,
Sem
se esquecer de pagar.
17
Tem
morto até que deixou
Algum
credor abusado
E
me pede pra que eu passe
Na
casa do “condenado”
E
entregue lá a quantia,
Mas
não me entrega a valia
Do
negócio a ser quitado.
18
Eu
cansei de quitar dívida
De
espírito encalacrado
Pra
ver se o bicho “infiliz”
Me
deixa aqui sossegado.
Só
o que há em recorrência
É
caso de inadimplência
De
fantasma endividado.
19
Tem
pessoa até que escolhe
De
morrer em caso raro,
Mesmo
no exato dia
De
quitar, sem despreparo,
Dívida
no mundo dos vivos...
E
eis “lá” mais um dos motivos
De
crer que há fantasma avaro.
20
Não
gosto de ver visagem
E
isso aí não é dengo,
Que,
com visonha eu debato,
Discuto,
luto e arengo,
Que
não há quem queira ter
O
desprazer de bater
Todo
dia com monstrengo.
21
Vidente
não sabe nada,
Médium
pra mim não é páreo,
Cartomante
é brincadeira,
Xamã
de mim é contrário,
Que,
neste terreno inculto,
Eu
já cansei de ver vulto
De
fantasma mortuário.
22
Toda
vez vou à cozinha
Pra
repreender visonha,
Que
tem uma fantasmada
Que
é velhaca e sem vergonha
E
se dana a aprontar...
Já
tô pra não me agüentar
Com
tanta coisa medonha.
23
No
chuveiro tem fantasma,
E
espírito no sanitário,
Tem
abantesma na pia,
No
quarto dentro do armário,
Na
cozinha e na sacada
É
tanta da fantasmada,
Que
eu já perdi o sumário.
24
Logo
eu que vivo sozinho!...
Tudo
me tira o juízo.
Pensava
em ficar tranquilo,
Mas
já tô de sobre-aviso
Com
tanta alma lá em casa
Assando
carne brasa
E
me dando prejuízo.
25
Nem
há mais o que contar,
Com
tanta da'assombração.
Que
é de esgotar repertório
De
conto de aparição
Esse
meu viver sem glória,
Que
não ficou uma história
Que
não desse narração.
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