quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Eu Vi Uma Assombração

Eu Vi Uma Assombração
1
Andando de mundo afora,
Eu já vi muita mutreta...
E a coisa fica mais preta
Quando a visão se evapora.
Espírito que se incorpora,
Alma voando do chão,
Porta se abrindo sem mão
Que lhe rotacione a chave,
Caso mais leve e mais grave
De eventos de assombração.
2
Já vi espírito em janela
Fazendo gesto e careta,
Alma de gente perneta,
Riso de alma banguela.
Já vi vulto em passarela,
Em meio à agitação
Imensa da multidão
Que passa pra trabalhar
E atenção não pode dar
À pobre da'assombração.
3
Estando em casa de gente
De povo desconhecido,
Já vi troço, parecido
Com vulto, olhando somente
Pra mim, bem ali de frente,
Mas ninguém notava não
O olhar da'aparição
Fitando o meu rosto sério,
Visto eu já ver que o mistério
Tinha um ar de assombração.
4
Vejo, à noite, a rua cheia
De abantesmas sem pudor
Correndo nus sem temor
Da lei que o país norteia...
Alma bonita, alma feia;
Alma com mão e sem mão;
Sem pés ou co'os pés no chão;
Com cabeça ou sem cabeça;
Alma quieta e alma travessa (^)
No meio da'assombração.
5
Ando por lugares belos,
Mas sinto haver desacordos,
Já que há vultos pobres gordos
E vultos ricos magrelos...
Penso, então, que os vis anelos,
Em vida, deram vazão,
Depois da morte, à lição
Aos ricos não-solidários,
Vendo-se em papéis contrários
No mundo da'assombração.
6
Já teve caso de eu ver
Fantasma de lobo e gralha,
Corvo e atroz rasga-mortalha,
Que avisa quem vai morrer...
Vi gato preto sem ter
Olhos na sua feição...
E até cachorro do Cão,
Amarrado na coleira,
Já me deu uma carreira
Em noite de assombração.
7
Quando ao céu se eleva a lua,
Eu vejo em becos e praças
Vultos fazendo trapaças
E alma aprontar falcatrua.
Na escuridão atua
Tudo o que é de mais pagão:
Fantasma em levitação,
Espectro em vil destempero (^)
E abantesma no exaspero (^)
Dos dias de assombração.
8
Caminhando na calada,
Eu já vi de tudo quase
Que transforma homeostase
Em diarréia pesada...
É que, enquanto a madrugada
Avança, o medo e a tensão
Trazem-nos a sensação
De insegurança que isola
E a visonha “deita e rola”
Na festa da'assombração.
9
Perto de beco isolado
Ou de ponte grande antiga,
A fantasmada se instiga
A causar medo e enfado...
É tremendo o desagrado
De quem passa em frente a vão
De cemitério, em questão,
Velho, sujo e carcomido,
Que é certo ver falecido
Em marcha de assombração.
10
Certo é que de tudo eu vejo,
Quando caminho à noitinha,
Mas, mesmo de tardezinha,
Vejo assombro em vilarejo...
Desejar ver, não desejo,
Porém, na'imediação
Onde passo, eu vejo a mão
Da fantasmada operando
E sinto um sopro nefando
De boca de assombração.

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