Eu
Vi Uma Assombração
1
Andando
de mundo afora,
Eu
já vi muita mutreta...
E
a coisa fica mais preta
Quando
a visão se evapora.
Espírito
que se incorpora,
Alma
voando do chão,
Porta
se abrindo sem mão
Que
lhe rotacione a chave,
Caso
mais leve e mais grave
De
eventos de assombração.
2
Já
vi espírito em janela
Fazendo
gesto e careta,
Alma
de gente perneta,
Riso
de alma banguela.
Já
vi vulto em passarela,
Em
meio à agitação
Imensa
da multidão
Que
passa pra trabalhar
E
atenção não pode dar
À
pobre da'assombração.
3
Estando
em casa de gente
De
povo desconhecido,
Já
vi troço, parecido
Com
vulto, olhando somente
Pra
mim, bem ali de frente,
Mas
ninguém notava não
O
olhar da'aparição
Fitando
o meu rosto sério,
Visto
eu já ver que o mistério
Tinha
um ar de assombração.
4
Vejo,
à noite, a rua cheia
De
abantesmas sem pudor
Correndo
nus sem temor
Da
lei que o país norteia...
Alma
bonita, alma feia;
Alma
com mão e sem mão;
Sem
pés ou co'os pés no chão;
Com
cabeça ou sem cabeça;
Alma
quieta e alma travessa (^)
No
meio da'assombração.
5
Ando
por lugares belos,
Mas
sinto haver desacordos,
Já
que há vultos pobres gordos
E
vultos ricos magrelos...
Penso,
então, que os vis anelos,
Em
vida, deram vazão,
Depois
da morte, à lição
Aos
ricos não-solidários,
Vendo-se
em papéis contrários
No
mundo da'assombração.
6
Já
teve caso de eu ver
Fantasma
de lobo e gralha,
Corvo
e atroz rasga-mortalha,
Que
avisa quem vai morrer...
Vi
gato preto sem ter
Olhos
na sua feição...
E
até cachorro do Cão,
Amarrado
na coleira,
Já
me deu uma carreira
Em
noite de assombração.
7
Quando
ao céu se eleva a lua,
Eu
vejo em becos e praças
Vultos
fazendo trapaças
E
alma aprontar falcatrua.
Na
escuridão atua
Tudo
o que é de mais pagão:
Fantasma
em levitação,
Espectro
em vil destempero (^)
E
abantesma no exaspero (^)
Dos
dias de assombração.
8
Caminhando
na calada,
Eu
já vi de tudo quase
Que
transforma homeostase
Em
diarréia pesada...
É
que, enquanto a madrugada
Avança,
o medo e a tensão
Trazem-nos
a sensação
De
insegurança que isola
E
a visonha “deita e rola”
Na
festa da'assombração.
9
Perto
de beco isolado
Ou
de ponte grande antiga,
A
fantasmada se instiga
A
causar medo e enfado...
É
tremendo o desagrado
De
quem passa em frente a vão
De
cemitério, em questão,
Velho,
sujo e carcomido,
Que
é certo ver falecido
Em
marcha de assombração.
10
Certo
é que de tudo eu vejo,
Quando
caminho à noitinha,
Mas,
mesmo de tardezinha,
Vejo
assombro em vilarejo...
Desejar
ver, não desejo,
Porém,
na'imediação
Onde
passo, eu vejo a mão
Da
fantasmada operando
E
sinto um sopro nefando
De
boca de assombração.
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