quinta-feira, 10 de setembro de 2015

U Isprito da Difunta - Cordé amatutado de Malassombro

U Isprito da Difunta
1
Fui ispiá o negóço
Pra vê do que se tratava.
Butei a cara na porta
E vi arguém que passava.
Era uma muié de preto,
Fina que só um ispeto
E fêa que só o cão.
Vuano a fazê gandaia,
Feito uma rasga-mortaia,
A uns dois paimo do chão.
2
Puxei a cara pra dento
Pra num vê mais a trepeça.
O povo pegô gritá
E eu dixe: - Que praga é essa?!
Corri pra pegá o rife
Pra devorvê ao esquife
Aquela muié difunta.
Abri a porta da frente,
Já cum a cabeça quente,
E atirei sem mais pergunta.
3
O troço ficô no canto
Onde tava e num saiu.
E as bala passou pur dento
E a aima siqué sintiu.
Fiquei sem prano ninhum,
Que caso assim incomum
Eu nunca presenciei.
Pra corrê, num vi mais jeito.
Sinti um gelo no peito
E ali mêrmo eu dismaiei.
4
Quando acordei, adispois,
Tinham me trazido im casa.
Levantei, dano pinote,
Cuns ói vermêi que nem brasa.
Cum raiva da infiliz,
Peguei o meu rife e quis
Partí pra rua sozin.
O vurto inda tava im frente,
Gritano, assombrano gente
E ninguém li dava um fim.
5
Zé de Mané Deodato
Dano tiro de garrucha.
Dóda puxano pexêra,
Chamano a aima de bruxa.
Zeza de Zé de Ocride
Quereno fazê revide
E o fantasma nem aí.
Intão, eu entrei na luta
E, apesá da fôça bruta,
O alarde eu num risuvi.
6
Aparicêro ôtos vurto
De tudo o que era manêra.
Uns anão e uns cão chifrudo
De aparença carnicêra…
Aí o "bicho pegô".
Zé de Mané se mandô
E Zeza se iscafedeu.
E, ali, bem no mêi da roda,
Só ficô mêrmo eu e Dóda,
Que o resto tudo correu.
7
Num adiantô oração.
Prece arguma resoveu.
Os bicho viero logo
Pra perto de Dóda e eu.
Mas, pur sorte, vêi um hôme
De Deus, que eu num sube o nome,
E a afugentô os fantasma.
E a gente sintiu alive.
Inda mais eu, inclusive,
Que tava quá aima pasma.
8
Caso é que o troço acabô-se,
E eu fui-me imbora pra casa.
Dóda, ali também, pra dele,
Foi “vuano sem tê asa”.
E o hôme que ajudô nós
Se esvuaçô logo após
De modo sobricomum.
Tarvez fosse mêrmo um anjo,
Que pra findá desarranjo
Daquele, só sendo um.

Autor: Roberto Felipe Amaral

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