quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A Aima de Zé de Zuza - Felipe Amaral

A Aima de Zé de Zuza
1
Já tinha uvido falá
Daquela istóra contada
Lá pras bandas de Tabira,
Terrinha por mim prezada.
Como a praça do Carlota
E o comérço do véi Tota,
E, ainda, o beco do Arnaldo,
O camim da Incruzilhada,
Im frente a Casa Caiada,
Guarda um terrô sem respaldo.
2
Uns fala que Zé Tenóro,
Que viveu lá doze ano,
Já viu coisa sem capricho,
Do caba perdê o prano.
Hoje mora em Surubim,
Da vida, já tá no fim,
Num qué mais tocá no assunto.
É que vê coisa do além
Num traz sorte pra ninguém
E, ainda mais, sé difunto!...
3
É que, quando Zé de Zuza,
Amigo de Zé Tenóro,
“Bateu as bota”, inda achô
De aparicê no velóro.
Már vô contá a istóra
De modo que haja mióra
No intindimento do fato.
Não que o mêrmo apariceu
Na sala e o povo correu…
Foi ôto o seu disacato.
4
Quando Zé Tenóro foi
No banhêro pra mijá,
Zé de Zuza, o falecido,
Achô de ví se banhá…
Tava Tenóro mijano,
Quando iscutô argo andano
Im direção ao chuvêro.
Olhô pra trás, era Zuza,
Surrino, tirano a brusa
Pra tumá bãi no banhêro.
5
Saiu em toda carrêra,
Puxano as carça ligêro.
Passô pelo mêi do povo,
Que entrô logo im disispêro.
Cabô que, no “trololó”,
O caixão terminô só
Na’habitação do finado.
Corrêro até os parente.
Ninguém ficô nem de frente
Do velóro do coitado.
6
A puliça apariceu
Pra recolhê o caixão.
Sinão ninguém interrava
O corpo do cidadão.
No sepucro destinado
Foi interrado o finado
E acabô-se a ladainha.
Már o povo deu de achá
Que o difunto ia vortá,
Porém certeza num tinha.
7
Só sei que, adispois duns dia,
Num é que o danado achô
De aparicê lá na casa
De Ari de de Zé de Dodô!
Dessa vez foi pra usá
A cuzinha e isquentá
Água pra fazê café.
Ari deu um disimbêsto
Que nem jegue sem cabresto,
Do mêrmo jeito, a mulé.
8
Já na casa de Tenóro,
Dixe que tinha iscutado
Uns passo lá na cozinha.
Foi oiá, era o finado.
Tava fazeno café.
No mêrmo instante a mulé
Foi oiá quem tava lá.
Os dois tremêro do susto
E déro um pique robusto
Prali, pra pudê contá.
9
Drumiro pur ali mêrmo.
Só vortaro de manhã.
A casa tava vazia
Sem disórde e sem afã.
Intão todo mundo vêi,
Sentô-se sem aperrêi,
Dispois vortô pra rotina.
Már num passô muito não,
E a peste da’assombração
Foi visitá Sivirina.
10
Tava ela dento do quarto,
Quando o traste apariceu.
Entrô, já abrino o armáro,
O que ela num intendeu.
Se arrastô pela parede,
Disprendeu do gancho a rede
E partiu com todo o gás.
Isqueceu feijão no fogo -
Que, pra tê um desafogo,
Nós deixa tudo pra trás.
11
Foi procurá Zé Tenóro
E, quando achô, contô tudo.
O pessuá se arrumô
Pra infrentá o imbate agudo
Contra aquele vurto mau.
Se armaro de péda e pau,
Faca, facão, foice e estaca…
Té cruz pra ispantá vampiro.
Arma de corte e de tiro,
Que a coisa num era fraca.
12
Metêro os pés na carrêra
Pra casa de Sivirina.
Só cinco entraro na casa,
Os fii de Zé de Cristina.
Quando fôro na cozinha,
Tava o isprito da tinha
Obisservano o fugão.
Dixe ele: - Ela sai sem rôgo
E isquece o fejão no fogo.
E eu tem que olhá o fejão!
13
Quando os cinco ouviro isso,
Quage mijaro nos qüêro.
Dois se iscondero no quarto.
Três entraro no banhêro.
E, aí, foi o jeito Zé
Entrá e falá cum fé
Cum isprito maluvido.
Zé Tenóro dixe: - Zuuuuza!
Aima de morto num usa
Cuzinha de cunhicido!
14
- Trata de vortá pra cova
Ô pru canto onde tu tava.
Dêxa a gente aqui em paz
Sinão a coisa se agrava!
Vorta lá pra teu cantin
E dêxa os vivo sozin,
Que aqui ninguém qué visita!
Ari num qué vê difunto.
Sivirina, eu nem pregunto,
Que ela já tá de aima aflita!
15
- Eu era um amigo seu
Só quando tu tava vivo.
Dispois de morto é difice,
Pruque num tem mais mutivo.
Tu fica na tua tumba.
Quando eu fô pra catacumba,
A gente vortá a se vê.
Már agora num dá não.
Fica lá no teu caixão
E dêxa o povo vivê!
16
Már o povo diz que a aima
Num era seu Zé de Zuza.
Era um vurto encapetado
Daqueles que os vivo abusa
Se passano ali pur Zé.
E Tenóro sem dá fé
Num viu o bicho mudano.
Ele inchô feito um balão.
Tumô a forma do Cão
E cumeçô praguejano…
17
Daí, quando Zé Tenóro
Viu num sê mais Zé de Zuza,
Quage se cagô de medo,
Correu sem vê quem conduza
E nunca mais quis ficá
Naquele dado lugá
Onde infesta o Coisa-Ruim.
Mudô-se no mêrmo dia,
Ele cum toda a famia
Pra terra de Surubim.
18
Do fato restô a lenda.
Da casa restô o escombro.
Do povo restô lembrança.
Do isprito, o tal malassombro.
Nos que fica, resta o medo,
O silênço e o segredo
De quem num qué mardição.
E os morto leva a memóra
Dessa nossa istóra imbora
Pra uma’ôta dimensão.

Autor: Roberto Felipe Amaral

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