quinta-feira, 8 de março de 2012

Outros Sonetos Meus

1
Decidi viajar pra capital
Por querer ver a zona litorânea.
Hospedei-me em um prédio, e a instantânea
Paz dali fez-me bem mais que o normal.

Fui à orla marítima tendo o aval
Da vontade que, em mim, fez-se espontânea.
Eu, forânea pessoa, em sucedânea
Terra longe do meu torrão natal...

Vi as ondas, andei no calçadão,
Avistei um farol, e enchi a mão
De um punhado de areia e o pus no bolso.

Pois gastei muita grana em dias plenos.
E o punhado de areia pelo menos,
Ao partir, me serviu de reembolso.

2
Era noite e perdido eu me encontrei
Numa mata fechada ao acordar...
Uivos, sopros da brisa, alvo luar,
Medo e assombros noturnos vis que achei...

Caminhei, caminhei e caminhei...
E uma tímida clareira eu pude achar
Já perdida também por se encontrar
Em floresta tão negra; e ali parei...

Vi que luzes havia nela acesas.
Uma casa avistei; e, indefesas
Aberturas por onde a luz passava.

Ao olhar o luar, pensei em ir
Adentrando o recinto pra fugir
Da frieza que ali eu enfrentava.

3
Mergulhei em um mar de águas azuis
Procurando momentos de descanso.
Vi cardumes, baleias no remanso,
Polvos e algas, que o mar muito produz.

As enguias mostravam sua luz,
Os corais sempre brancos nesse avanço
De buscar ver bem mais sob o balanço
Da maré que a barcaça ao cais conduz.

Mas, ao fim, assustei-me ao divisar
Uma vil água-viva a me “encarar”,
Perseguindo quem nunca um mal lhe fez.

Eu tentei me livrar, mas foi em vão,
Que ela, ao vir, agarrou-me pela mão
E “levou-me” pra o fundo de uma vez.

4
Fui a terras distantes pra buscar
Um amor que perdi por vil destino.
Enfrentei grandes monstros, desatino
Que não deu pra não ter nem evitar.

Lobos, cobras gigantes e avatar
Que reinava do modo mais cretino,
Massacrando os plebeus, mas ao grã-fino
Dando ordens expressas pra’os matar.

E, no fim das batalhas, pude ter
Minha amada de volta e conceder
Aos plebeus alforria e liberdade.

Hoje vivo em um reino onde a justiça
Não se cansa de agir nem desperdiça
As palavras de ordem da verdade.

5
Onde eu moro os casebres se aglomeram,
Mas as ruas estão sempre asseadas,
Avenidas e estradas asfaltadas,
Becos claros e vilas que prosperam...

Há beleza nos ares bons que geram
Bem-estar arejando as madrugadas,
Lindas flores que são sempre regadas,
Panoramas de paz que não se alteram...

E eu, que sempre passeio em fim de tarde,
Vou buscar meu amor pra, sem alarde,
Namorar frente ao lago das gaivotas.

Abraçando o seu corpo de sereia,
Sinto o toque do amor que entremeia
Nós dois qual semitom que une as notas.

6
Habitei numa vila bem distante,
Mas que era pra mim tudo que eu quis.
Nessa vila eu me achava tão feliz,
Porém tive que vir a ser errante.

Profissão de caixeiro viajante,
Um salário de fome. E assim desfiz
O meu mundo de riso e, infeliz,
Fui morar noutro canto por desplante.

Quis ganhar muitos bens, fiquei sem nada
De isso tudo que vejo que me agrada,
Todavia não tenho em meu poder...

Tão distante, tão velho, tão doente,
Não consigo partir pra novamente
Ver a vila que, em paz, me viu crescer.

7
Fim de ano eu parti para Paris.
Fui atrás de sorriso, brinde e festa.
Encontrei-me animado. E o que me resta
É lembrar o que ali me fez feliz.

Passeei pelas ruas como quis.
Conheci lindas moças com modesta
Compostura e pensei de forma honesta
Em propor-lhes jantar, mas não o fiz.

Ante as praças centrais me vi cantando.
Ante as lojas me achei sempre pensando
Em comprar algo novo, e não poupei.

E, por fim, na contagem regressiva
Pra o desfecho do ano, eu gritei: Viva!
E no dia seguinte eu retornei.

8
Vem a noite, e o espaço escurecido
Satisfaz-me os sentidos por completo.
Impressiono-me muito com’o projeto
Tenebroso que à noite é construído.

Saio à rua pra vê-lo com’o sentido
Da visão bem mais livre, que é correto
Dispensar uma brecha que há no teto,
Pra poder ver o céu desimpedido.

Olho estrela, olho lua, olho a nuance
Do negrume que há fora do alcance
Dos negrumes que possam existir...

É o dedo de Deus que pinta a tela;
E não há um painel de cor mais bela
Que o das trevas que o céu vem exibir.

9
Tenho medo, mas tenho medo assim,
Sem ter medo do medo o qual eu tenho.
Pois que tenho temor, mas não retenho
No meu ser um temor vil e sem fim.

Dê-me um tempo, e eu explico sem esplim.
Que o meu medo é vital pra o desempenho
Do labor de falar do céu que venho
Toda noite a fitar como antes vim.

O temor natural me inspira a alma,
Faz do “clima” um mistério que me acalma
E amedronta, mas só devido ao plectro.

Não há nada na noite que não venha
Pra fazer-me mais quieto e que não tenha
Poesia entranhada em seu espectro.

10
O sombrio devaneio que o noturno
Espetáculo celeste nos oferta
É repleto do dom da paz referta
De sossego que falta ao céu diurno.

Que há nas trevas um som baixo e soturno,
Mas que toca o poeta que liberta
Sua mente pra ter, na hora certa,
A’impressão de escutá-lo em pleno turno.

Pois que, embora medonha e taciturna
Toda noite pareça, algo se enfurna
De sonoro no seu interior.

Toda noite é por Deus abençoada,
Que é na noite que o vate encontra estada
Pra dormir e sonhar com seu amor.

11
No sossego noturno a paz se instala
Como um vírus no sangue inoculado.
Só que, em vez de matar, muda o estado
Do que sofre o contágio e não se abala.

Torna o ser mais feliz, mas não propala
Alegria ao que odeia o tom ornado
De sossego da noite e, chateado,
Faz no espectro do sol a sua sala.

Agradeço a Jesus quando anoitece,
Pois, pra mim, toda noite se parece
Co’um painel que com nada é parecido...

Se existir neste mundo algo mais belo,
Só se for a pintura do Castelo
De Deus Pai, pois só disso eu não duvido.

RF Amaral

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