1
Decidi viajar pra capital
Por querer ver a zona
litorânea.
Hospedei-me em um prédio,
e a instantânea
Paz dali fez-me bem mais
que o normal.
Fui à orla marítima tendo
o aval
Da vontade que, em mim,
fez-se espontânea.
Eu, forânea pessoa, em
sucedânea
Terra longe do meu torrão
natal...
Vi as ondas, andei no
calçadão,
Avistei um farol, e enchi
a mão
De um punhado de areia e
o pus no bolso.
Pois gastei muita grana
em dias plenos.
E o punhado de areia pelo
menos,
Ao partir, me serviu de
reembolso.
2
Era noite e perdido eu me
encontrei
Numa mata fechada ao
acordar...
Uivos, sopros da brisa,
alvo luar,
Medo e assombros noturnos
vis que achei...
Caminhei, caminhei e
caminhei...
E uma tímida clareira eu
pude achar
Já perdida também por se
encontrar
Em floresta tão negra; e
ali parei...
Vi que luzes havia nela
acesas.
Uma casa avistei; e,
indefesas
Aberturas por onde a luz
passava.
Ao olhar o luar, pensei
em ir
Adentrando o recinto pra
fugir
Da frieza que ali eu
enfrentava.
3
Mergulhei em um mar de
águas azuis
Procurando momentos de
descanso.
Vi cardumes, baleias no
remanso,
Polvos e algas, que o mar
muito produz.
As enguias mostravam sua
luz,
Os corais sempre brancos
nesse avanço
De buscar ver bem mais
sob o balanço
Da maré que a barcaça ao
cais conduz.
Mas, ao fim, assustei-me
ao divisar
Uma vil água-viva a me
“encarar”,
Perseguindo quem nunca um
mal lhe fez.
Eu tentei me livrar, mas
foi em vão,
Que ela, ao vir,
agarrou-me pela mão
E “levou-me” pra o fundo
de uma vez.
4
Fui a terras distantes
pra buscar
Um amor que perdi por vil
destino.
Enfrentei grandes
monstros, desatino
Que não deu pra não ter
nem evitar.
Lobos, cobras gigantes e
avatar
Que reinava do modo mais
cretino,
Massacrando os plebeus,
mas ao grã-fino
Dando ordens expressas
pra’os matar.
E, no fim das batalhas,
pude ter
Minha amada de volta e
conceder
Aos plebeus alforria e
liberdade.
Hoje vivo em um reino
onde a justiça
Não se cansa de agir nem
desperdiça
As palavras de ordem da
verdade.
5
Onde eu moro os casebres
se aglomeram,
Mas as ruas estão sempre
asseadas,
Avenidas e estradas
asfaltadas,
Becos claros e vilas que
prosperam...
Há beleza nos ares bons
que geram
Bem-estar arejando as
madrugadas,
Lindas flores que são
sempre regadas,
Panoramas de paz que não
se alteram...
E eu, que sempre passeio
em fim de tarde,
Vou buscar meu amor pra,
sem alarde,
Namorar frente ao lago das
gaivotas.
Abraçando o seu corpo de
sereia,
Sinto o toque do amor que
entremeia
Nós dois qual semitom que
une as notas.
6
Habitei numa vila bem
distante,
Mas que era pra mim tudo que
eu quis.
Nessa vila eu me achava
tão feliz,
Porém tive que vir a ser
errante.
Profissão de caixeiro
viajante,
Um salário de fome. E assim
desfiz
O meu mundo de riso e,
infeliz,
Fui morar noutro canto por
desplante.
Quis ganhar muitos bens,
fiquei sem nada
De isso tudo que vejo que
me agrada,
Todavia não tenho em meu
poder...
Tão distante, tão velho,
tão doente,
Não consigo partir pra
novamente
Ver a vila que, em paz,
me viu crescer.
7
Fim de ano eu parti para
Paris.
Fui atrás de sorriso,
brinde e festa.
Encontrei-me animado. E o
que me resta
É lembrar o que ali me
fez feliz.
Passeei pelas ruas como
quis.
Conheci lindas moças com
modesta
Compostura e pensei de
forma honesta
Em propor-lhes jantar,
mas não o fiz.
Ante as praças centrais me
vi cantando.
Ante as lojas me achei
sempre pensando
Em comprar algo novo, e
não poupei.
E, por fim, na contagem
regressiva
Pra o desfecho do ano, eu
gritei: Viva!
E no dia seguinte eu
retornei.
8
Vem a noite, e o espaço
escurecido
Satisfaz-me os sentidos
por completo.
Impressiono-me muito
com’o projeto
Tenebroso que à noite é
construído.
Saio à rua pra vê-lo
com’o sentido
Da visão bem mais livre,
que é correto
Dispensar uma brecha que
há no teto,
Pra poder ver o céu
desimpedido.
Olho estrela, olho lua,
olho a nuance
Do negrume que há fora do
alcance
Dos negrumes que possam
existir...
É o dedo de Deus que
pinta a tela;
E não há um painel de cor
mais bela
Que o das trevas que o
céu vem exibir.
9
Tenho medo, mas tenho
medo assim,
Sem ter medo do medo o qual
eu tenho.
Pois que tenho temor, mas
não retenho
No meu ser um temor vil e
sem fim.
Dê-me um tempo, e eu
explico sem esplim.
Que o meu medo é vital
pra o desempenho
Do labor de falar do céu
que venho
Toda noite a fitar como
antes vim.
O temor natural me
inspira a alma,
Faz do “clima” um
mistério que me acalma
E amedronta, mas só
devido ao plectro.
Não há nada na noite que
não venha
Pra fazer-me mais quieto
e que não tenha
Poesia entranhada em seu
espectro.
10
O sombrio devaneio que o
noturno
Espetáculo celeste nos
oferta
É repleto do dom da paz
referta
De sossego que falta ao
céu diurno.
Que há nas trevas um som
baixo e soturno,
Mas que toca o poeta que
liberta
Sua mente pra ter, na
hora certa,
A’impressão de escutá-lo
em pleno turno.
Pois que, embora medonha
e taciturna
Toda noite pareça, algo
se enfurna
De sonoro no seu
interior.
Toda noite é por Deus
abençoada,
Que é na noite que o vate
encontra estada
Pra dormir e sonhar com
seu amor.
11
No sossego noturno a paz
se instala
Como um vírus no sangue
inoculado.
Só que, em vez de matar,
muda o estado
Do que sofre o contágio e
não se abala.
Torna o ser mais feliz,
mas não propala
Alegria ao que odeia o
tom ornado
De sossego da noite e,
chateado,
Faz no espectro do sol a
sua sala.
Agradeço a Jesus quando
anoitece,
Pois, pra mim, toda noite
se parece
Co’um painel que com nada
é parecido...
Se existir neste mundo
algo mais belo,
Só se for a pintura do
Castelo
De Deus Pai, pois só
disso eu não duvido.
RF Amaral
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