sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A História da Minha Vida - Fragmento 6 - Felipe Amaral

Fragmento 6


    Moças e rapazes passam rapidamente. Estou na praça central. Há gritos de crianças correndo ao lado. Há conversas bobas e "papo" adulto. Então assento-me no mesmo lugar e toco o meu violão. Há quem pare para ouvir. Há quem pare para criticar-me. Aquém de tudo o que realmente acontece, seja mau ou bom, está a minha estabilidade financeira. Oro a Deus para que consiga algo rápido. Preciso de palcos. Preciso de gente disposta a ouvir o que tenho para dizer. Preciso de espaço, mas os espaços são vendidos em troca de "status".
    Olhando as vitrines, passo a pensar como seria minha vida na grande cidade. Já morei uns meses no Recife. Não me adaptei. Na verdade, foi pelo fato de não sair muito. Não sair mesmo! Ficar em casa emparedado direto não é o meu forte. Alguns reclamam não me ver nas ruas. Saio à noite e eles dormem cedo. Sempre a isso deve-se essa falta de contato. Pensam que sou ou muito caseiro ou moro fora. Rio. Estou nesta cidade a maior parte do tempo. Queria estar fora - já que aqui não dá - vivendo como artista e ganhando a vida como artista. Aqui não ganho nada. Não me resta nada. Não há nada para fazer. A cidade algema seus pensamentos. É como uma espécie de ditadura mental. Não há palcos (para o certo! Certo?). Não há possibilidades. Há repetição. Há competição pelo mesmo. Há vaidade. Orgulho.
    Já tentei dar novo fôlego às ruas, mas ninguém quis seguir-me nessa empreitada. Montar um grupo de "free-stileiros". Formar um clube de leitura. Ter um programa, às doze horas da noite, de terror numa das rádios. Poemas de terror, sabe? Recitados com aquele tom macabro. O povo aqui não gosta do diferente. E, se for para pensar, aí é que não dá certo mesmo. Promover-se é o "lance". Seja com qualquer idiotice que a mídia imponha. Nas escolas - você tem que ver - tudo é uma verdadeira confusão anticultural. Deveriam ter vergonha. Mas ninguém tem. Ninguém grita. Ninguém se exalta. E ai de quem se irritar e reclamar. Deixa para lá! Só deixei mesmo... Ignoro. Não sou nenhum salvador da pátria. Isso não é trabalho para mim. Não tenho as ferramentas. Estão elas nas mãos de incompetentes. Hipocrisia é o que mais se vê. Conchavos. "Combinatas". Eu queria estar em outro lugar.
    Vejo que há pessoas que pensam. Mas como resgatá-las da imposição social? Elas estão submersas! Conformam-se. Sei que pensam pelo fato de, às vezes, conseguir captar coisas proveitosas das suas falas quanto ao andamento da cidade. Mas como fazer? O que fazer? Tudo o que eu falo é uma ilusão. Utópico Felipe Amaral. Esse deveria ser o meu nome. Utópico. Sim. Utópico. Deus meu! Onde me esconderei? Para onde iria? Por favor, ajuda-me. Sinto-me sufocado. O coro alteia vozes de afronta contra mim. Sobre mim tripudiam. Balançam os braços. Peitam-me. São desrespeitosos. Não aceitam outro tipo de visão. Como vou botar na cabeça dessa gente algo diferente de fato? São prisioneiros do prazer (abominável) de não mudar. São detentos. A rua arqueja.
    Escrevo e não sei quem lerá. Poderia "compartilhar" durante toda a minha vida. Se alguém pudesse me ouvir. Grito de dentro de uma caverna. Estou num fosso. É escuro e frio. E a única janela que se abre para mim é a do medo. Será que ninguém vê? Mas sou sempre eu o errado da história. Lendo. Tocando. Cantando. Compondo. Escrevendo. Poetando. Discursando. Estou fadado ao fracasso. Ó Deus, livra-me! Eu poderei vencer! Eu poderei mostrar para todos que é possível ser diferente e permanecer vivo. É possível fazer o que não fazem e continuar de pé. É possível. Preciso de uma brecha que, mesmo que eu me esgueire bastante, dê-me passagem. Preciso.

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