E isso não é maravilha,
Porque o próprio
Satanás se transfigura
Em anjo de luz.
(II Coríntios 11.14)
Baseado em Boatos Reais
O Mistério do Sarau
1
No salão daquele espaço
De leitura da cidade
Havia algo que
assustava:
Uma sensibilidade,
Algum sentimento que
Não nos deixava à
vontade.
2
Não tinha a capacidade
De descrevê-lo de fato,
Porém falava a respeito
Entre conversa e boato,
Mas nada ali me ajudava
Nem o mais franco
relato.
3
O problema era o pacato
Ânimo do meu pensamento
Pra entender tudo
aquilo,
Mesmo depois de um
momento
De reflexão mais
profunda,
Já em tranqüilo
aposento.
4
As idéias como um vento
Vinham, mas partiam sem
Deixar que a mente
mostrasse
Conclusões menos aquém
Da vil grandiosidade
De enigma tão vil
também.
5
Um mistério do além
Invadia aquele espaço
Entre um declamar e
outro
De versos sem embaraço
Por parte dos que se
atinham
Ali sem estardalhaço.
6
Daí a pouco um cansaço,
Um suspiro ou um olhar
De surpresa enigmática
Ou de efeito insalutar
Causado por sensações
Difíceis de se explicar.
7
Folha insistindo em voar
Sem nenhuma ventania,
Som de tropel ao redor
Sem ver-se a cavalaria,
Toques, sopros e
assobios
Sem se ver quem assobia.
8
Começava a ver vazia
Aquela reunião.
O povo estava com
medo...
Claro que havia razão!
Afinal, como explicar
Toda aquela assombração?
9
Fui em cada habitação
Ouvir do povo os seus
vários
Relatos desencontrados
Pra’achar conceitos contrários
Ao sobrenaturalismo
Que eu via em meus
ideários.
10
Diários e mais diários
Gastei escrevendo
histórias.
Mas nada do que
encontrava
Tinha, nem as mais
simplórias
Marcas de racionalismo
Que se fizessem
notórias.
11
Ao reputar por escórias
Todos aqueles relatos,
Fiquei muito aborrecido,
Não quis mais ouvir
boatos,
Pois queria explicar
tudo
Sem místicos
detalhes chatos.
12
Devido a modos e tratos
Severos da minha parte,
Ninguém quis mais
reunir-se
Pra’enfim retomar a arte
Do sarau, mas eu não
quis
Fazer do mesmo o
descarte.
13
Continuei nossa arte
De declamar, todavia
Sozinho, naquele espaço
De leitura que existia
Já há tempos, pois não
quis
Deixar morrer a poesia.
14
Todo fim de tarde abria
Aquelas portas enormes
E dava início às
leituras
Sem apelos nem informes
E, ao fim, as fechava
após
Deixar tudo nos
conformes.
15
Só estavam desconformes
Os números das “peças”
lidas.
Com’o povo todo com medo
E raiva em suas guaridas
Não se atingiria o
número
De “peças” antes
ouvidas.
16
Com um tempo, decididas
A voltarem ao sarau,
Pessoas se dispuseram
A’enfrentar o espanto
mau
Que acharam lá, muito
embora
Fosse um risco de alto
grau.
17
Assim o nosso sarau
Prosseguiu no mesmo lema
Por dias, semanas,
meses,
De sorte que, sem
dilema,
Até encontros noturnos
Ocorriam sem problema.
18
Só que um dia o emblema
Da paz da ocasião
Foi manchado, pois um
“bicho”
Apareceu sem razão
Mesmo no meio da gente
Em plena reunião.
19
Mas, naquela situação,
Não deu nem pra se
mexer.
Todo mundo ali parado
E a “coisa” a se
retorcer
No meio do povo todo
Sem nem pensar em
correr.
20
Um grupo correu pra ver,
Pois que antes estava
fora
Do recinto onde ocorria
O encontro àquela hora,
Porém chegou justo
quando
O fantasma foi embora.
21
Saiu senhor e senhora,
Mas sem pressa do local.
Ninguém nunca tinha
visto
Assombração tão real,
Porém ninguém se
espantou,
O que era muito anormal.
22
Só que não foi natural
Pra mim de modo nenhum.
Vi o povo muito calmo,
Sem ter nem ao menos um
Abalinho, assim de
praxe,
E achei pra lá de
incomum.
23
Comparado a um zunzum
Tinha sido aquilo tudo
Pra mim, que fiquei com
medo,
Mais calado e mais
sisudo...
Mas não vi um só boato.
Todo mundo ficou mudo.
24
Isso porque era agudo
Demais o caso pra ver-se
O povo todo sem medo
E a criançada a
perder-se
Num deserto de sossego
Sem nem sequer
comover-se.
25
O episódio era de ter-se
Por doido e ainda achar
Que era pouco pra o
momento,
Que a coisa era de se
andar
Procurando explicação,
Mas sem querê-la
explicar.
26
Então eu fui perguntar
Ao tal grupo que correra
Pra ver a assombração,
Pois vi que se comovera
Co’aquela situação,
Ou ao menos parecera.
27
Mais o grupo que correra
Tava era dando risada,
Quando o fui
entrevistar,
Depois da cena passada.
Se já nada eu entendia,
Baixei pra menos que
nada.
28
Botei o pé na estrada
E parti pra o meu
recinto,
“Agora” cheio de dúvidas
(E hoje sobre isso eu
não minto!).
A cidade tava estranha
E só eu dela distinto.
29
Quando deu o dia quinto
Daquele mês de agosto,
Um dia depois do susto
Que eu tomara a
contragosto,
Dirigi-me ao tal espaço
De leitura, o sol já
posto.
30
Antes olhei o meu rosto
Num dos espelhos do lar
E me notei cadavérico,
A pele a se desbotar,
Os olhos esbugalhados
E estranho o meu
maxilar.
31
Mesmo assim, saí sem dar
Muita atenção a tal
fato.
Caminhando já na rua,
Avistei como um retrato
Ao longe e fui ver quem
era,
Mas me achei em pleno
mato.
32
Pensei “tá” doido de
fato,
Pois que eu, segundos
atrás
Tava seguindo na rua,
Mas só que “agora”,
incapaz
De explicar, me via ali
No meio dos matagais.
33
Andar, não queria mais,
Mas tinha que
prosseguir.
Por certo o povo já
tinha
Ido pra se reunir
No sarau e já estava
Tanto a ler, quanto a
ouvir.
34
Insisti em prosseguir
E, quando “ganhei” a
rua,
Aí me assustei de novo
Ao me deparar co’a lua
Vermelha da cor de
sangue
Clareando a noite nua.
35
A verdade nua e crua
Daquelas horas tacanhas
Me assombravam, todavia
Nem socorros nem
campanhas
Havia que me livrassem
Daquelas visões
estranhas.
36
Escutava vozes fanhas,
Vi vultos vis e sentia
Umas mãos
fantasmagóricas
A me tocar na porfia
Daqueles negros momentos
Faltos do esplendor do
dia.
37
A rua me perseguia,
O povo todo me olhava,
Havia um cão esquelético
Que de longe me
avistava,
Criancinhas cadavéricas
E uma mulher que
chorava.
39
O vento me atormentava
Ao soprar nos meus
ouvidos.
Uma voz esganiçada
Confundia os meus
sentidos.
E uma caveira rezava
Curvada a fazer pedidos.
40
Depois vi ossos caídos
Na calçada onde pisava,
Lagartos, lacraus,
libélulas,
Covas onde se encontrava
Meu corpo alterando a
forma
E escorrendo feito lava.
41
A ilusão me afrontava
A razão e eu, sem poder
Fugir da mesma, perdido,
Não sabia o que fazer,
Corria, corria e nada
De haver onde se
esconder.
42
Já cansado pra valer,
Cheguei ao lugar visado.
O povo inda me esperava.
Mas eu tava em um estado
De transe naquele
instante
E já de sangue banhado.
43
Alguém me deu o recado
Que eu iria falecer.
Não acreditei em nada,
Embora sem entender
Se era eu mesmo que
falava
E o que estava a dizer.
44
Se pude compreender
Algo naquele momento,
Talvez “que” tivesse
sido
Por causa do encantamento
Que ao mesmo tempo
trazia
Delírio e entendimento.
45
Parei naquele momento
E um vulto se colocou
Ali no meio da gente
E a gente o escutou
A decantar poesia
Como se fosse num show.
46
Alguém do meio falou
Pra mim que aquele
abantesma (^)
Já tinha escrito de
versos
Poéticos mais de uma
resma
E que já fazia anos
Que a sua sina era a
mesma.
47
Chegou um outro
abantesma
E se pôs também no meio.
Já me via sem temor
Sem saber porque’o
receio
Havia de mim fugido,
Visto eu inda estar
alheio.
48
Não cria, mas hoje eu
creio
No que é sobrenatural...
Lembro que ainda fiquei
Naquele estado anormal
Por mais ou menos seis
meses
E me alimentando mal.
49
O meu rango semanal
Era uma porção de
vermes.
Nos olhos havia sangue,
Nos braços havia germes
E noutras partes
bicheira
Corroendo as
“epidermes”.
50
Leandro, Eliane e
Hermes,
João Carlos, Beatriz,
Bruno e Gláubber, meus
amigos,
A todos eles eu quis
Contar o que aconteceu,
Porém nenhum deles creu
Nesta história e
conteúdo...
Eu no sobrenatural
Também não cria, afinal,
Mas, após provação tal,
Hoje eu acredito em
tudo.
Autor: Felipe Amaral
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