quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

As Casas Fantasmagóricas

E isso não é maravilha,
Porque o próprio
Satanás se transfigura
Em anjo de luz.
(II Coríntios 11.14)

Baseado em Boatos Reais



Histórias de Malassombro
Folheto 1: As Casas Fantasmagóricas
Autor: Felipe Amaral

1
Mudei-me, depois de anos
Estar na mesma cidade,
Pra’uma cidade distante,
Mas não por própria vontade,
Fui posto pra trabalhar
Naquela localidade.
2
Constituí amizade
Ali sem muita demora.
Visitava os meus colegas
Do trabalho toda hora
Pra nos finais de semana
Pôr o estresse pra fora.
3
E não quis mais ir embora
Daquele alegre lugar.
Quiseram me transferir,
Todavia eu quis ficar,
Pois tava gostando muito
De ali poder habitar.
4
Não era de me apegar
Com muita facilidade
A qualquer cidade fora
Daquela localidade
Onde nasci, me criei
E passei a mocidade.
5
Algo de estranho me invade
Ao falar sobre esse canto
Ao qual eu, estranhamente,
Apeguei-me, mas de um tanto,
Que, quando lembro esse apego,
Sinto algo causar-me espanto.
6
Não via dor nem quebranto
No povo que ali morava.
Percebia algo de estranho,
Porém nada me importava.
Queria ficar ali
Onde aquele povo estava.
7
Mas eis que um dia eu andava
Por aquelas avenidas,
Quando fui surpreendido
Por coisas desconhecidas,
Tipo casas voadoras
Ali recém-construídas.
8
As paredes lá erguidas
Eram meio transparentes.
Dava pra se ver de fora
Dentro pessoas contentes
Andando e olhando pra mim
Tendo rostos sorridentes.
9
Ao ver aqueles viventes,
Pensei estar mesmo louco.
Tirei uns dias de férias
Pra’enfim descansar um pouco.
Pois notei estar ficando
Esquecido, surdo e rouco.
10
Falava, mas como um mouco,
Não ouvia a própria voz.
O povo daquelas casas,
Já de aparência feroz,
Gritavam, e, ao “não ouvi-los,”
Eu saía logo após.
11
Em caminhada veloz,
Eu tentava me afastar.
Só que, ali, aquelas casas
Começaram me cercar,
Aparecendo nas ruas
Onde eu estava a andar.
12
Busquei até me mudar
De bairro, mas não deu certo.
Não podia transferir-me
Nem pra’uma cidade perto.
Tava como um beduíno
Com sede e em pleno deserto.
13
O meu coração referto
De tudo o que é psicose.
Uma’hora dentro das casas,
Outra’hora refém da dose
Do desespero que vinha
Ao ser como “por osmose”.
14
Preso naquela neurose,
Eu comecei a ouvir
O que falavam de dentro
Da casa e pude sentir
Que todos não mais lutavam
Para poderem fugir.
15
Antes pude inda sair,
Mas não sei em que momento.
Tudo parecia um sonho,
Filme, ilusão, pensamento
Que absorve a nossa vida
Sem nosso consentimento.
16
Tudo ficava mais lento
Dentro de tais moradias:
Milésimos como segundos,
E estes como horas vazias,
E as horas como semanas
Não divididas em dias.
17
Vi então que as alegrias
Naquelas negras moradas
Eram fingidas, impostas,
Forjadas e obrigadas
A serem postas pra fora
Das diáfanas amuradas.
18
As tardes eram passadas
Como noites mal dormidas.
As manhãs não existiam.
E as madrugadas compridas
Vinham sorver o vigor
Da luz que havia nas vidas.
19
Pessoas estarrecidas
Com tanta dose de horror.
Banquetes ali servidos
Com putrefato sabor.
E risos esganiçados
De algo a lhes causar temor.
20
Tamanho era o dissabor
Daquelas vidas sem paz,
Que por mais que se clamasse
Por uma gota fugaz
De riso, uma só gotícula
De escorrer era incapaz.
21
Nada do que satisfaz
O ser humano virá
A existir nessas casas,
Pois que “cada qual” está
Cheia do medo absconso
Que em cada coração há.
22
Se alguém da casa haverá
De fugir, isso é incerto.
Por isso eu digo a você
Que, se de uma chegar perto,
Corra, fuja, não deseje
Por ela ser encoberto.
23
Ninguém cá é tão esperto
Que consiga progredir
Em seus projetos de fuga,
Que não há como sair.
Tentei, tentei, todavia
Nada pude conseguir.
24
Mas puderam consentir
Que eu escrevesse este aviso
Pra o que’há de ter tais visões,
Pra que não fique indeciso
Querendo vir por achar
Ser aqui o Paraíso.

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