segunda-feira, 11 de julho de 2016

Adaptação dramatúrgica do poema "Eulália" de Rogaciano Leite


Adaptação dramatúrgica do poema "Eulália" de Rogaciano Leite

Rogaciano:
- Temo que haja traição
Nesta nossa relação,
Antes, em tudo, exemplar.
Contemplo em mente a visão
Da suposta ingratidão
Que arruinou nosso lar.

Eulália:
- Acalma teu coração,
Que não há imperfeição
Nesta relação sem par!
Estás fitando a ilusão,
Pois que não há traição
Que haja de se revelar.

Rogaciano (aos gritos):
- Embora pareça vão
Este ato de suspeição,
Não posso o mesmo evitar.
Perco o atinar da razão.
Sou presa da emoção
Que insiste em me atormentar.

Eulália (em lágrimas):
- O tempo fará menção,
Se houver qualquer posição
Errada no meu lidar.
Deixas-me, mas sem razão,
Pois que não há condição
Da nódoa se confirmar.

Rogaciano (deixando a casa):
- Vou para longe em função
Deste ciúme malsão
Que macular o meu pensar.
Viso decepar a mão
Da porfia e a confusão
Que me quer manipular.

Eulália (sozinha lendo cartas de Rogaciano):
- "Amada Eulália, a tensão
Que macula a compleição
Do meu ser há de cessar;
Aí torno à habitação
Onde reside a paixão
Que tive que abandonar.

Rogaciano (em um recinto distante em solilóquio):
- Ó vã determinação,
Que trazes perturbação
Ao peito, antes, salutar,
Põe fim à vil compulsão
De fazeres agressão
Ao meu ser neste lugar!

Eulália (pensando, depois de tempos, noutras terras, noutros recintos):
- Por certo a indecisão
Afetou seu coração
E ele não pôde voltar.
Tomo uma nova "missão",
Na dor do meu coração,
Buscando tudo olvidar.

Rogaciano (pensando a peregrinar em terra estranha):
- Talvez não torne ao rincão
Da terna edificação
Onde viera a estar.
Adeus à doce audição
Da bela composição
Que sempre a via tocar!

Eulália (pensando, prestes a executar ao piano a composição "Rosa de Maio", em furtivo recinto)
-  Por pura recordação,
Tocarei neste bolsão
Da pobreza secular
A doce composição
Que embalava o coração
Daquele amor singular.

Rogaciano (ainda a pensar consigo, entrando em Cassino):
- Ouço a sã disposição
De notas na'executação
De música familiar!
Lembra-me, a interpretação,
Eulália na habitação
Passional do nosso lar.

Eulália (mirando alguém a adentrar ao recinto):
- Parece-me co'a feição
Da minha antiga paixão...
Posso estar a me enganar!
Mas, em aproximação,
Talvez a minha ilação
Poder-se-á confirmar.

Rogaciano (aproximando-se da pianista):
- Parece-me que a visão
De um anjo toma este vão
E inculto lupanar.
És tu, Eulália, a feição
Que fito sobre este chão
De escassez protocolar?

Eulália (vendo-o aproximar-se):
- Ó meu amigo, esta mão
Que tomou a direção
Da vida indisciplinar
Trouxe-te a esta estação
Para veres a feição
De uma "Rosa" tumular.

Rogaciano (tornando atrás em direção à porta para dar prosseguimento à sua triste vagueação existencial):
- Não tenho mais condição
De assumir disposição
Favorável de amar.
Deixo-te outra vez ao chão
E parto sem decisão
De, algum dia, retornar.

Eulália (pensando, após vê-lo partir)
- Receio que, por prisão,
Terás a recordação
Desta música exemplar.
Hás de afligir-te no vão
Da dor da separação
Que vieste a eternizar.

Felipe Amaral - A bordo da emoção poética - 05/07/2016

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