segunda-feira, 2 de maio de 2016

Horror, Filosofia e Assombramentos - Roberto Felipe Amaral


Horror, Filosofia e Assombramentos - Roberto Felipe Amaral

O Estranho Caso da Parede Melíflua
(RF Amaral)

Para os idos de noventa e nove, eu fui morar na cidade de Arcoverde. A rua onde residia não era muito movimentada. Os vizinhos não eram também de falar muito. Estranhei um pouco. Tinha ido residir ali por ocasião de haver passado em um concurso da prefeitura de lá. Tinha poucos colegas. Amigos, amigos, nenhum. Até que fiz amizade com uma moçoila chamada Luíze, Que morava a umas cinco casas da minha. A coitada era meio perturbada devido a um curioso fato que se dava em seu lar, com a parede da cozinha. Diziam ela que, de vez em quando, a parede começava a soltar mel do nada. Ao que eu disse: “Por que você não monta uma fábrica de envasar mel?” Ela não era dada ao espírito humorístico. Também! Um espírito – parecia-me - nem tão bem humorado assim lhe estava infernizando a vida daquele jeito. Eu que sou acostumado a fazer de todo limão uma limonada, não hesitei em dar-lhe a ideia, mas... tudo bem. Após ouvi-la falar acerca do caso estranho, eu decidi partir à sua casa para ir ver o que se dava. Provei do mel. Era mesmo doce! Coisa da melhor qualidade! As risadas fantasmais “é” que não eram lá essas coisas! Percebi que a coisa era mesmo fantasmática. Chamamos um pastor, para ver se o tal resolveria o problema “malassômbrico”. Não deu muito certo. O espírito não gostou nada daquilo de querermos expulsá-lo dali. Chamou reforços e a casa ficou lotada de almas penadas (mas não eram almas de galinha, por favor, entenda!). Mas, visto que eu havia visto a feição do espectro ali, comecei a buscar material na “net” acerca de assombrações. Procurava alguma pista nos blogs locais. Fui conduzido a um livro que contava alguns fatos estranhos que já se deram na localidade. E, já no fim do mesmo, pude encontrar uma referência rápida a uma outra casa que também soltava mel das paredes. A casa de Dona Zumira. A filha dela, ainda viva, recebeu-nos com muita prestatividade. Falou-nos que a solução dada no seu caso fora trazer um padre para rezar no imóvel todo. A gente até falou da ida do pastor à casa da Luíze e que não adiantara muito. Ao que ela, aí, resolveu contar detalhes sobre o caso que poderiam nos ajudar a solucionar o problema. Contou que o malassombro atende por Siqueira. Fora, em vida passada, um apicultor... Criador de abelhas! - explicou ela, fazendo-se entender. E que o mesmo era nato daqui mesmo e que nunca teve muito sucesso em seu ofício. Diziam que tinha sido enterrado junto com alguns potes de mel recém-envasados por ele mesmo. Ouvindo nós aquele detalhe final, decidimo-nos por ir à cova do referido, ver se na mesma ainda se encontravam os potes de mel. Talvez retirando-os de lá, a coisa cessasse. Mas, nem preciso dizer que a ideia não foi boa. A assombração entendeu-a como um furto post-mortem. Agora a Luíze já está exportando para fora. Os japoneses dizem que o mel é de ótima qualidade e ainda tem a propriedade de ser medicinal. É! Só disse a Luíze para que ele ficasse calada a respeito da procedência daquele mel que continua fluindo de suas paredes. Bem, até que enfim ela resolveu fazer do limão que a vida lhe deu uma limonada... E que limonada, diga-se de passagem! Bem lucrativa!

O Buraco Misterioso
(RF Amaral)

No meio da cidade. Mesmo no centro. Com o povo todo passando, mulheres indo às compras, ônibus circulando e estudantes indo à escola... No meio de todos, um buraco. Começou pequeno e foi crescendo, crescendo, crescendo e, de repente, estava enorme. O que reservaria aos curiosos que o rodeavam, mas sem coragem de verificarem do que se tratava? Era algo misterioso. Um buraco misterioso. Não demorou muito para que do mesmo começasse a sair uma fumaça. Não sufocava ninguém ainda. Era só uma leve fumaça cinza. Começaram todos a temer por suas vidas. Residentes próximos chamaram a polícia. Os bombeiros logo apareceram. A guarda civil, encanadores, eletricistas, rádio-técnicos e refrigeristas... Tanta gente; tanto medo. Olhar dentro, ninguém, audazmente, intentava. E para realizar-se tal empreendimento, o jeito seria apelar para homens destinados àquilo mesmo. Chamaram a companhia de saneamento. Bem poderia ser só mais um dos esgotos que, com o romper de canos, viera a causar alguma erosão, devido à umidade da água. Mas, espera aí! E a fumaça? Por certo, esgoto e fumaça não têm muito a ver. Era o que confabulavam outros ao redor. O negócio era que aquilo teria que se resolver. A rua poderia até ficar interditada por um tempo, mas não por todo tempo. Alguém teria que tomar uma iniciativa. A secretaria de obras enviou uns que vieram prontos a enfrentarem de fato o problema misterioso. Sem muito incômodo, foram aproximando-se do buraco. Um olhou da beirada. Ficou fitando os lados internos. Por certo, queria certificar-se que a coisa todinha mantivera ali a sua erosão. Olhou, olhou e não viu nada estranho. Saiu e foi chamar o resto do pessoal de obras. Antes porém de virem todos, um outro deu de ir confirmar a informação de inexistência de perigo. Chegou perto e analisou tudo. E, ao olhar, já deitado, bem para o fundo, gritou para o outro analisador anterior. Ao que o mesmo veio às pressas. Perguntou o que se dava. Ele apontou. Lá estavam. Havia corpos ali embaixo. Agora a coisa tornava-se caso de polícia. De pronto, alguém chamou o delegado. Pronto. Obras por ali, só depois da retirada dos corpos. A zona toda seria interditada. Arrumou-se umas fitas para a interdição da área e tratou-se de afastar as pessoas dali. Feita a perícia, o canto pôde, enfim, descansar de vistas especializadas, só não das curiosas. Já estava anoitecendo, quando viu-se na rua uma senhora correndo desesperada. Uns poucos que a viam, pensaram se tratar da mãe dos mortos. Mas estavam enganados. Vinha atrás da mulher uma turba de sombras escuras. "Que coisa era aquela?" Correram todos. Entraram em um dos bares da cidade. Quando a poeira abaixou, saíram todos, assustados e tomados de desconfiança. Um atreveu-se a por a cara para fora. Olhou, olhou e constatou a tranquilidade. Virou para os demais e os chamou. A senhora ainda não quis sair. Vindo outro olhar a rua, analisou, averiguou e se deteve perto do buraco misterioso que, agora, soltava um pouco de esguicho de água do seu interior. "Por certo, algum cano furado" - pensou. Não demorou muito para a rua presenciar mais um caso assombroso. Subiu de dentro do buraco um bicho nebuloso. O homem gritou. Correu todo mundo para dentro do bar de novo. Estava acontecendo coisas sinistras demais naquelas últimas horas. Tudo parecia dever-se ao tal buraco. A polícia foi chamada. Logo, apareceram, de novo, os bombeiros. Ouviu-se relatos desencontrados e repletos de sobressalto. Ao fim, todo mundo foi dormir. Mas, no meio da noite, por volta das 3 da madrugada, tomou a rua uma zoada dos infernos. O povo olhava das janelas. Lá estavam. Fantasmas. Espíritos grandes e pequenos. Outros que saíam do meio do buraco, agora, todo esfumaçado. Todos ficaram nervosos. Só era a polícia chegar, a baderna toda acabava. Tornavam ao quartel, começava-se de novo o pandemônio. Até que um cidadão de nome Cortês decidiu dialogar com os referidos fantasmáticos. Pediu a palavra e colocou-se bem perto do buraco enfantasmado. "Não vejo motivo para Vossas Senhorias deixarem o Além" - encetou, ainda um pouco trêmulo, mas já se aclimatando bem á situação. "Deveriam vossas senhorias estarem por estas bandas?" Diante dessa pergunta, o fantasma chefe baixou a cabeça. Parecia envergonhado. Foi-se retirando, entrou no buraco e sumiu. Os outros foram fazendo da mesma forma. Com pouco, estava a balbúrdia toda dissipada e o Cortês lá sozinho, olhando da beirada do buraco. "NInguém vai ajeitar o troço aqui, não?" - perguntou apontando para a abertura sinistra. Foi aí que um fantasmagórico resolveu dar um dos seus passes de mágica. O buraco fechou-se. Cortês ficou impressionado. Fez sinal de positivo e saiu. Foi voltar a dormir. No outro dia, nada dos corpos levados ao necrotério pela perícia. Passou-se um tempo, não se falou mais naquilo. Mas há no lugar, como que por zombaria, uma inscrição no chão do asfalto da via central: "Aqui jaz um buraco.... E que não volte a acordar!" 

Confundindo a Cognição - RF Amaral
Nestes últimos dias, foco-me na ideia de como convencer pessoas a fazerem o que elas não querem. Quando a gente vê as propagandas, é isso mesmo que nós vemos! Atenho-me à questão do por que é tão difícil fazer, no cotidiano, e a poder de fala, o que os propagandistas fazem a poder de cenários premoldados. Sento-me em um dos bancos lá da praça da cidade e não me apego mais à natureza genuína de conversas encetadas. Quero poder moldá-las. Desejo ver o que acontece se as pessoas forem postas à prova, diante de paralogismos, sinonímias e antíteses complexas, ainda que verdadeiras. Busco hoje como "bugar" o cérebro dos meus ouvintes. Quero testar a capacidade do referido em ater-se à objetividade. Mas, desconfio que o mesmo não é tão confiável assim - tenho minhas preconcepções quanto a isso (ainda que, até isso, gere-me na mente um paradoxo sempre!). De certo, as convicções permeiam tudo quanto fazemos. Sem elas, nós nem sairíamos de casa. Há pessoas tão desfundamentadas de um jeito que chegam a ponto de se retrancarem por anos e anos. Talvez seja o caso dos depressivos. Mas, tornando a mim, o que quero é chocar o cérebro de modo a causar ou uma exaustão cognitiva ou um estarrecimento tal de mesma natureza que venha a causar um colapso no sistema nervoso do ser humano. Não que, com isso, eu queira destruir os outros. Não! Eu não quero! Experimentar não é destrutivo, afinal de contas, a pessoa, depois de uma boa noite de sono, estará sempre com outra configuração mental mesmo! É outra coisa que me abisma: Por que meu cérebro não permanece "aquecido"? Tenho que forçá-lo todo santo dia. O danado insiste em tornar a uma condição de lamentável lentidão e paupérrima perspicácia todos os dias. Depois de alguma leitura é que vai voltando ao estágio que o deixara anteriormente. Pensei a respeito das falácias e de como elas serviriam aos meus intentos. Os paradoxos são atraentes também. Não vi na "net" nenhum jogo de palavras que possa manter, depois de algumas repetições, uma pessoa incapaz de expressar seu entendimento de sentenças simples. Desejo lançar a mente em um caos de ideias que me permita, na hora desejada, confundir o ouvinte e o fazer optar pelo contrário à sua vontade. Acho que isso é o que todo publicitário busca. Ganha-se muito dinheiro com isso. Mas - já pensou? - se o mesmo fosse usado até contra o idealizador da coisa? Talvez ele não ficasse tão contente com a descoberta assim. Fato é que não quero manipular ninguém para fazer o mal. Meu desejo é fazer as pessoas apegarem-se ao bem. Não importa se elas estão sempre inclinadas ao mal! Na verdade, eu nem sei se estão mesmo, pois pode ser só a propaganda que fez as mesmas penderem para escolhas imprestáveis. Pode ser que já tenham descoberto como fazer os entes escolherem o que, na verdade, nunca quereriam, em sã consciência. Pode ser. Não estou fazendo nada, senão os resgatar das mãos do tirano. E não importa o que isso tenha de moral. Ando atendo-me muito a essa questão e não acho que se resolva tão facilmente. De certo, ninguém ainda o conseguiu, decisivamente. As coisas são tão complexas e o "Problema do Mal" ainda embaralha mais as coisas. Caso é que o humano deveria se envergonhar da capacidade racional que tem. É uma porcaria! E ninguém está seguro, fiando-se em si mesmo. Isso é uma tremenda idiotice. A vida é muito complexa para ser entendida. As respostas não estão (nem) espalhadas por aí. Não há quebra-cabeça, se houvesse, eu mesmo o resolveria. As soluções não estão perto de nós. Enganano-mos aqui e ali, quando diante de pessoas erradas que debatem. Pena é que nem todos têm a chance de ver-se diante de bons inquiridores. O bom inquiridor põe fim na certeza boba que nos toma a mente e nos faz cativos. Mas, na verdade, nem esta certeza de não ter certeza somos dignos de ter. Não somos nada. Quem diz ser, engana-se. E não preciso citar a Bíblia para afirmar isso. Não precisa ler todos os livros do mundo para entender que nossa capacidade é risível. Não falo acerca de construções e inventos tecnológicos, refiro-me ao entendimento moral da vida. Deveras, nós nem podemos saber, indubitavelmente, por que fazemos o que estamos a fazer neste exato momento. Tudo fazemos como por crença preconcebida. Alguém pode retrucar e querer até me bater por tudo o que falo. Materialistas são desses. Não têm nem por que levantar bandeiras e ainda insistem em defender visões que, pela própria natureza, impedem-nos de defendê-las como ele pensa defender. Não adianta dizer estar de pé sobre o galho que você mesmo acabou de quebrar! Todo o que defende algo, seja o que for, arroga para si certezas como que mediante crenças apenas. Suas fundamentações não se acham nas pedras. Os credos parecem vir primeiro que quaisquer defesas. As opiniões são a tônica maior de todos os humanos. Só isso, opiniões. E aqui pego-me pensando se não estavam os sofistas "certos" quanto a isso. Mas aí olho para o seu relativismo e os encontro alçando sua bandeira também. Alçar bandeiras é que nos faz incongruentes. Mas não as alçar parece-me que também. Não estamos no zero absoluto. E, mesmo que estivéssemos, por certo, haveríamos de alçar a bandeira defensora disso. O ser humano e sua incapacidade de viver. Foi-nos dada a condição de sermos obrigados a só viver. Viver sem questionar. Pois, todas as vezes que insistimos, profundamente, vemo-nos vencidos pelas nossas próprias más convicções de que podemos alçar ideologias. Estamos sempre turvados. A mente, sempre nublada. Não entendemos as coisas, só nos enganamos bem. E, espera aí! Nem isso! Nem nos enganamos tão bem. Bem... Eu acho que isso, forçosamente, seja a única coisa que fazemos bem, enganar-nos. Poderia, se me aprofundasse tentar tirar alguma certeza a partir do engano e, daí, partir à antítese, chegando, por fim, à proposição positiva. Mas nem sei como começaria. Creio que, no meio do caminho, estaria tão confuso que não mais seria capaz de saber se afirmo ou estou a negar. Manter-se até no caminho negativo (filosoficamente!) parece-me tão difícil quanto manter-se no da "positividade". A neutralidade é um sonho e o paradoxo está sempre ali para ensinar-nos o quanto somos ineptos. Torno à minha vontade inicial de querer confundir a mente. Acho que este seja o único serviço nobre de fato que podemos empreender em vida. "Olha eu" já levantando outra bandeira aqui! Somos todos tolos mesmo!

O Vulto no Redemoinho - RF Amaral

Diziam que por aquelas bandas soprava um redemoinho e quem estivesse perto via sempre uma fantasmal assombração que saía em toda carreira atrás da referida testemunha ocular. Mas eu, cético como sou, não liguei para o que diziam todos. Fui justamente àquela localidade para fazer umas entregas de uns pedidos feitos. Umas almofadas e uns quadros de tamanho razoável. Levei tudo no carro. Chegando à fileira de casas daquele longínquo e pequeno lugar, dei-me a perguntar pelos moradores tal e tal. Todos foram muito corteses. “Um povo que não vê tanta gente diferente” - pensei. Um povo muito bom. Umas pessoas até me convidavam para eu passar em suas casas a noite. Negava o convite meio que sem graça, tanta era a cortesia. Cheguei nos lares certos e entreguei tudo corretamente também. Acelerei o carro e fui saindo daqueles domínios, quando, de repente, o automóvel enguiçou. Não havia mais nenhum cortês na rua. Por certo, estavam com medo do bicho que aparecia por ali. Mas nem havia redemoinhos! Era só o que faltava para se configurar no cenário perfeito para aparições. Não estava com medo, mas, então, comecei a ter. Foi começando devagar. Uma brisa. Um vento maior. E, só aí sim, um redemoinho. Estava perdido. O tal fantasma apareceria mesmo. Mas nada. Fiquei consertando o carro. Um rapaz veio-me ajudar. Deu-me uma boa mão. Muito peluda por sinal! Tinha um rosto estranho. “Mas – pensei – nem sempre se é tão sortudo como eu que nasci tão lindo, como se repara”. Só foi eu acabar de pensar, um novo redemoinho soprou. Olhei para o lado e, quando voltei a vista, o rapaz não estava mais lá. Com o carro consertado, resolvi partir. Dei na chave, mas não é que o danado enguiçou outra vez?! Fiquei só esperando o pior. E não demorou muito. Senti um frio pelas costas. Olhei para o banco de trás e lá estava... O demônio? Não! O rapaz, que, na verdade, não tinha lá tanta diferença não. “Oxen! Quando você entrou, cara?” - perguntei, tremendo. E ele: “Vim com o redemoinho” - com essa, eu arrepiei o resto dos cabelos. O carinha foi se transformando, transformando e, no fim, estava o capeta escritinho. Saí do carro sobressaltado. Comecei a pedir ajuda. Agora não havia ninguém tão cortês que se atrevesse a abrir nenhuma janela. Era o bicho correndo atrás de mim e eu suando mais que tanta de cuscuzeira. E, a cada arranque, o bicho perguntava se eu não passara a acreditar nele a partir daquele momento. Ao que eu findei dizendo: “Se eu disser que acredito, Vossa Senhoria some?” Naquele mesmo instante, a coisa sumiu. Mas não sabia o bicho que eu iria dizer que não. Talvez fosse coisa da minha imaginação. Deixei aquela vila. Retornei outras vezes, mas nunca mais tive enguiços nem visões esquisitas. Só que toda vez que dá um redemoinho, eu ainda me mostro inseguro. E por que será?

O Que Subjaz o Julgar

Julgamentos, todos os fazemos. É uma máxima do nosso discernir. Sem eles não poderíamos dizer aos nossos filhos com que pessoas eles devem andar. Mas o ponto é se sabemos julgar. Julgamos segundo nossas convicções. Há como que “confissões de fé” a julgarem por nós quem vemos. Somos levados a “cortar por  baixo” as coisas. Mas ficar sem fazer julgamentos seria ficar sem discernir no mundo. Quando pegamos uma mercadoria na prateleira, quando escolhemos um ventilador, quando optamos por tal universidade, ou mesmo quando escolhemos palavras em determinadas ocasiões... Sempre estamos a enveredar no campo do julgamento (ainda que não de mesma natureza!). Desconfio dos que alardeiam o pouco pensado “não julgue!” Tenho para mim que proponentes de tal doutrina escondem erros tão escabrosos que acham melhor privarem-se de qualquer forma de discernimento a serem alvo de tal crivo. Mas alguém poderia dizer-me que até Cristo utilizou-se de tal máxima. Ao que retruco: “Leia direito o Texto Sacro, veja o contexto.” E deixo sempre um texto para reflexão, João 7.24. Não acho que Jesus seria tão irracional ao ponto de privar-se de confrontar coisas para tirar conclusões genuínas. As pessoas dizem o que lhes vem à cabeça. Não se importam nem em viver uma vida de fato, quanto mais se suas argumentações são válidas! É tanta trivialidade que não me surpreende ainda aterem-se a chavões, mal usados, como o tal. Caso é que somos tomados de assalto pelo nosso próprio entendimento quando julgamos. De onde tiramos nossas “bases jurídicas” para tal? Eis a pergunta-mor! Constituições e Códigos Antigos acumulam-se, mas o verdadeiro veredicto parece não se servir de papiro e tinta para fazer-se firme na (aparente?) finalidade das coisas. Andaríamos a esmo sem leis, mas quem as fundamenta? Quem teria tanto poder para garantir a validade da proposição legal? E continuaremos sempre nesta. Continuamos sempre na mesma. A mesma questão; o mesmo conflito a resolver. Mas a vida segue e não podemos deixar que questões “loucas” tirem-nos a contidianidade da mesma. Então, insistimos em seguir assim mesmo.

A Carta Desconhecida

Lá pelo começo dos anos noventa, o povo começou a receber umas cartas, que eram depositadas na caixa de correio, sem muita cerimônia – ninguém nunca assinava nada para retê-las! Eram umas cartas grandes. Havia uns cartões postais dentro. Umas figuras de santos católicos e uma reza escrita à máquina de datilografar. Havia também uma admoestação quanto a se jogar as mesmas no lixo sem dispensar-lhes qualquer atenção. Quanto a isso, não penso que os que assim procederam ficaram sobressaltados, pois, poderiam bem não ter lido tal aviso. Na verdade, só servia para os curiosos mesmo. O fato de pessoas lançarem, de pronto, as cartas na lixeira devia-se ao detalhe que as mesmas não dispunham de remetente, só destinatário. O caso é que eu fui presenteado com uma dessas cartas. Peguei-a, olhei. Nada demais. Abri-a. Dei com as figuras, a reza escrita e o aviso. Até aqui tudo bem. Joguei tudo, mesmo tendo lido, ainda que rapidamente, o conteúdo da mesma. Depois daquilo, começou acontecerem coisas estranhas em minha casa. Uns malassombros que vinham rondar à noite. Perambulações fantasmagóricas. Quando eu quis ir ao lixo. Tarde demais. A tal já havia desaparecido como por feitiço. Eu sei que não havia botado o lixo para fora. Os garis nem tinham passado ainda! Não tive mais sossego. Até que, um belo dia, bati com um camarada dado a resolver casos paranormais. Ele começou “dizendo de” problemas que havia solucionado. Não cobrava remuneração por isso! O que me deixou muito aliviado quanto a se tratar de mais um charlatão. Foi lá em casa. Olhou os móveis. Verificou debaixo da cama. Esquadrinhou tudo com o maior zelo e discrição exemplar. Era jovem. Por certo, estava atrás de aventuras para embalar-lhe os dias juvenis. À noite, vinha dar uma passada em frente ao  recinto. Pobre jovem! Já nas primeiras noites, ficou tão abalado com o que viu, que eu não penso que tais aventuras o fizeram embalado como, talvez, pretendia ser. Nunca mais apareceu. E eu fiquei tendo que resolver o impasse por mim mesmo. Comprei umas cruzes, arrumei umas águas bentas, uma estaca para matar vampiro, um magote de alho e... Bem, havia outras coisas mais. Fui à luta. Dei com uma assombração no banheiro. Correu para a cozinha. Adentrou o primeiro quarto. Saiu pela sala. Parecia mais um rato que uma assombração, apesar do avultado tamanho! Essa não consegui apanhar. Outro dia, bati com uma alma penada detrás do armário da cozinha. Esconjurei-a. Minha fé, neste tempo, mostrava-se inabalável. Não vou dizer que não tinha nenhum medo a princípio, mas eu me controlava bem. Tantas caças; tantas noites mal dormidas; tanta zoada pra nada. Hoje não há mais nada que espantar. Talvez a crise econômica? Talvez a bolha imobiliária americana? Talvez a conta de luz que aumentou? Talvez o salário que não sobe? Talvez, talvez, talvez... O verdadeiro é que o tempo era a única coisa que eu tinha que esperar passar. E com ele, foram-se todas as minhas assombrações. Quando recordo os conflitos, chego até a sentir um friozinho na barriga, mas, aí, olho em volta e nada. Vou assistir a mais um filmeco de terror barato. Só é o que me assusta hoje. E a carta? Acho que o remetente morreu. Dissiparam-se todas elas como o medo de recebê-las. A internet hoje é muito mais interessante. Cartas do Além perdem “de feio” para o Facebook. E como demoravam!!!

A idiossincrasia da Compreensão

Quando expressamos uma ideia, devemos focar na interpretação que se faz de nossas palavras, pois a hermenêutica usada nem sempre é tão confiável que se possa assegurar-se da comunicação devida. Tenho para mim que o acúmulo de mal-entendidos que as pessoas têm na mente é que as leva a, muitas vezes, enveredarem pelo caminho do conflito. Há como que uma subjetividade sempre sorrateira que nos toma a mente no momento do entendimento do outro. E isso não é simplesmente questionamento só para áreas de aconselhamento. A cognição está inteiramente envolvida aqui. As palavras não parecem ter a capacidade que arrogam para elas. Falamos como por poesia o dia inteiro e, torcendo para que as pessoas nos entendam bem. Mas, a bem da verdade, fazemos as coisas tão instintivamente que nem nos damos a perceber se somos mesmo entendidos como queremos. Se o imediato está sendo cumprido, conformamo-nos. Mas, aos poucos, a consciência vai se enchendo de  dúvidas excruciantes que, por fim, geram conflitos... Quando troco um cheque, quando “pego” um mototáxi, quando adentro a escola, quando inicio o meu serviço seja no que for, tenho que me relacionar com as pessoas, mas sem saber como anda sua cognição. Fato é que as pessoas acumulam sim desentendimentos. Aí, às vezes, vemo-nos enredados em discussões bobas que nem sabemos o que veio a gerá-las. São as dúvidas quanto à integridade de uma coisa, quanto à objetividade de outra, quanto à congruência lógica de uma mais... O raciocínio humano é tão falho que eu nem sei se se pode chamar de raciocínio. Deveria chamar-se de “convenção social”. “Até quando sirva para o óbvio – coisas rotineiras – não deveríamos reclamar” - diriam-me. Não digo que seja impossível viver com ele, mas que é complicado, é. Veja! Estamos todos a olhar o que nos cerca sem nem sabermos ao certo se o que vemos, ou melhor, da forma que vemos, os outros vêem. Até isso pode colocar-nos em maus lençóis. Muitas vezes – penso eu – sou xingado só por isso. Minha subjetividade não deveria condenar-me como anda fazendo há muito nesta dura vida. Certo é que o que mais vejo é pessoas guiando-se pela sua subjetividade e nada acontece a várias delas. Parece-me injusto escolherem-me para “bode expiatório”. Mas também não sei se entendo a paz, que, raramente, tenho, direito. Nem isso... Os entendimentos são pura idiossincrasia.

Os Filmes da Minha Vida
(Poeta Felipe Amaral)

Surpreendo-me comigo mesmo, às vezes. Jamais pensaria estar ainda tão inclinado a emoções tão antigas! Um simples DVD ainda pode - certifiquei-me hoje - fazer-me ter saudades do passado como há muito eu não tinha. Fiquei recordando de quando assistira àquele filme colegial adolescente. A princípio, chutei 20 anos atrás. Não era tanto. Mas acabei concordando com a monta de 17 a 16 anos. Eu deveria ter meus 15 anos. Minhas risadas bobas comprovavam - na imagem guardada na minha memória - minhas suspeitas. Na casa de um amigo, juntamo-nos eu e outros colegas. O filme ainda tinha cara de lançamento. Quando recordo aqueles momentos, entristeço no presente, pois, diferente dos dias passados, os dias de hoje são de uma cobrança sem fim e eu não tenho com que pagar. Não guardei muito em todos esses anos. Pensava não chegar a este ponto. Pensava que minha vida seria outra. Pelo tanto que escrevi... Pelo tanto que sonhei... Fato é que, mesmo diante de tanto esforço artístico, eu não consegui ver-me crescido em nada. As finanças, um fiasco; prêmios, nenhum; garotas, nenhuma; amigos, não posso dizer que tenho muitos também. Há, cada dia mais, antigos que me desprezam. Ninguém acredita que possa erguer-se das cinzas esta velha fênix aqui. Estou conformado. Não sonho mais. Se ainda escrevo, é por que só tenho isto mesmo. Manter-me na ativa ainda é o que me resta. Ser rebelde e insistir no que - eu bem sei - não irá dar nunca em nada. Olho o passado. Dele não consigo absorver forças que me revigorem. Olho-o com lamento. Se mesmo um DVD tem o poder de me arrasar deste jeito, quanto mais os termos duros que me gritam nos ouvidos a todo tempo... Estou bem. Vou ficar bem. "Quando souber de meus amigos, mande-me lembranças..." "Espera!... Melhor nem mandar. Depois destas de agora, seria melhor não me envolver com outras tão cedo..." Pensei que seria diferente. Pensei que me acharia numa situação confortável. Hoje escrevo na mesma de anos atrás. nada mudou, amigo! É! Nada mudou! O turbilhão de emoções ainda é o mesmo. Mas me derruba mais. O que me destrói por dentro é saber que - sabendo de tudo - eu teimava sempre em continuar a me enganar. Não tenho filhos. Não tenho independência nenhuma. Continuo na mesma. E, na vez que tentei levantar algum dedo, fui rechaçado pelo favorecimento voltado a terceiros. Não sou nada! Mas, calma, você nunca vai ver-me com uma bala enfiada na cabeça. Isso não é para mim, definitivamente. Nunca fui autodestrutivo - ao menos, desta forma, não! Sempre insisto para mim mesmo: "Mas eu escrevi - e ainda escrevo - muito, muito, muito! Isso deveria me trazer alguma coisa!" Mas nada advém disso, a não ser mais dor. Tudo fica para trás. Os filmes são esquecidos. E, quando não o são, fazem-me ainda escrever destas. Músicas já não tocam. Momentos que não se repetem. Garotas e garotos que eu não vejo mais. Turmas deixadas no passado. E a hora avança! tenho que ir dormir. Talvez amanhã eu arquitete um plano melhor para fugir das pedras que me arremessarão. Devo manter o riso, apesar de tudo. Mas, falando a verdade mesmo, também nunca estou tão triste assim. Filmes me deixam assim. Na rotina, usualmente, fico inerte e saio incólume, mesmo inerme. Deixe que me apresente. Eu sou um velho escritor que ainda continua a insistir em dizer o que sempre foi. E, por mais incrível que possa parecer, nunca fui tão sonhador quanto pensam ter sido. Jamais acharei irreal a labuta artística. Jamais acharei inútil o labor das palavras. Não posso teimar em concordar que Deus não me fez assim. A evidência do contrário me sufoca. E as cenas já se esvaem... Até logo mais.
(Adaptado para sintetizador de voz)
Áima qui váguím Tabira,
(pueta Filípi Amará),

Ali pu lado da Granja,
Eu num vô pra nenhum lado,
Que o povo diz qui de noite,
Siscúta um assubíádo,
Di boca malagorenta,
Di áima dincapetádo.

Pu lado dali da Quadra,
A coisa né brincadêra,
Tem ispântím todo banco,
Fantásmím toda cadêra,
E résfulêgu apressado,
Di fungado de cavêra.

Dona Tadéa já viu,
Timbú já tinha me dito,
Que pu lado du açôgue,
Também tem árguisquisíto,
Íu povo fica iscutano,
A zuáda dus ispríto.

Na rua ditrás do Fórum,
Num vô nem que a vaca tussa,
Qui tem um bicho pur lá,
Que nus beirá si débrúça,
Num tém pastô que afugente,
Nem pádezorcístispússa.

Passo di frente ú Arnáudo,
Már já fico, mi cagâno,
Pruquê ár vêis eu avisto,
Áima de véi mi chamâno,
Iispríto di bicho prêto,
No mêi da rua vagâno.

Ôto di êu vi um trósso,
Que mi chamô atenção,
Era um cachorro fantasma,
Muntá dincíma, do Cão.
Í uma rasga-mortáia,
Pu cima da ssombração.

Gené de Zé sapatêro,
Num passa nu cemitéro,
Que u tróçalí é pesado,
Cálí u negóçé séro,
É tanta dassombração,
Que dêchu caba funéro.

Jérú ficô feito mórta,
Dispôis qui viu a mutrêta,
Luzía num qué cunvéssa,
Nem, Néco de Zé pernêta,
Qui ninguém qué recordá,
A imáge do canhêta.

Geníudo da cademía,
Já viu ispríto surríno,
Marquin lá da eletrônica,
Viu fantasma si bulíno,
Í Cléço já viu cavêra,
Disquelêto grôssí fíno.

Nas cóva du cemitéro,
Eu já topei cum rabudo,
Si rebolâno na tumba,
No Mêi dus ósso graúdo,
E num vô lá nunca mais,
Pra num topá cum chifrudo.

Tem macumbêro que faz,
Dispáchím bêra distrada,
O caba que pássá noite,
Vê tanta dáima penada,
Qué obrigádá vortá,
Pra num topá quá cambada.

Ím Tabira tá dum jeito,
Qui num tem fébe qui güente,
É tanta da sombração,
Qui num tem mais quem infrente,
Num á nem mêr múm alíve,
Nem reza quíssafugênte.

Pêrdú prano quando penso,
Im ressôvê a disgraça,
A fantasmáda é tamanha,
Ím toda rua qui passa,
Já cheguei a conclusão,
Que num á nada qui faça.

Já se generalizô,
U transcorrídím Tabira,
Num adianta oração,
Pra santo qui siadmíra,
Qui só siaumenta dasáima,
É Mêr mú tamãe da íra.

No quarté tem vurto preso,
Também na delegacia,
Nu ospitá tem ispríto,
Qui faz até cirugía,
E dento da prefeitura,
É onde o Cão faz fulía.

Já cansei de mincontrá,
Cum vurto no mêi da praça,
Si remechêndo dum jeito,
Qui num tem fébe qui faça,
E já avistei viságe,
Óí ânú povo qui passa.

Lá pur trás do sindicato,
Isprito dá gargalhada,
Caderudo má trajado,
Sór tassubí e cantada,
E o povo dorme cum medo,
Dus grito da fantasmada.


O Fantasma Processado
(RF Amaral)

Disseram que um vulto andava pairando nas redondezas da Rua das Flores. Certamente, vinha do cemitério, visto que o mesmo ficava nas proximidades. Um vizinho meu já de contínuo contava-me histórias acontecidas com ele de um fantasma que o vinha acordar no meio da noite. Dizia estar precisando de umas rezas. Sendo eu um dos moradores dessa tão bela rua, decidi colocar umas câmeras de infravermelho em frente da minha casa para supervisionar o movimento noturno. Nas primeiras noites, nada. Não peguei nenhuma mísera alma rondando a região. Cachorro fantasma, gato fantasma, chupacabra, OVNI nem ET dedudo nenhum. Decepcionei-me bastante com isso. Mas, depois de alguns dias, fui olhar as filmagens recentes e pude presenciar nas tais um vulto rodeando a casa do meu vizinho. Certamente, tratava-se daquele pedidor de rezas. Por volta das 3 da madrugada, a câmera pegou-o entrando na casa do meu vizinho pela porta da frente. Fora acordar o coitado, era provável. Logo no mesmo dia, depois da análise das gravações, fui à casa do Altemar para saber dele se havia acontecido com ele algo estranho, noite passada. Ele repetiu-se acerca de um espírito suplicante. Aí levei-o para minha casa para ele ver as filmagens. Ele surpreendeu-se ao enxergar nitidamente o rosto do tal espectro atormentador. Fomos os dois pesquisar de quem se tratava o espírito. Depois de uma acurada pesquisa, chegamos ao parecer final. Era o Felizardo, um carpinteiro que vivera nos idos de mil e novecentos naquela região. Diziam, era a aficionado nas histórias de Edgar Allan Poe, o que nos fez pensar que ele estava pregando uma peça no Altemar. Fui passar a noite na casa de Altemar. Quando o fantasma apareceu, por volta das 3, eu disse: “Mas rapaz, você não tem vergonha, não? Ficar tirando o sono de um trabalhador, só para “dar vida” a velhas histórias de terror lidas ainda em vida!...” Ao que o espírito respondeu-me: “E daí, o que você tem com isso? A carpintaria no Além estava em baixa, então, resolvi desenvolver uma terapia ocupacional. Desde então, estou 'vivendo' muito bem”. Retruquei: “Tudo bem, mas por que Vossa Senhoria não vai gastar suas muitas energias divertindo-se com outro fantasma desempregado?” Diante disso, o camarada começou a irritar-se, vendo que o seu passatempo ficaria ameaçado. “Não adianta chamar a polícia, mãe-de-santo, pastor, padre, bispo, noveneiro, rezador. Vou ficar por aqui mesmo... Já delimitei até meu território!” - disparou falando. E eu, frente a tudo o que disse, resolvi ficar na minha. Disse ao Altemar: “É, Altemar, parece que você vai ter que dar um jeito para conviver com o fulano aí. Compra logo uns protetores auriculares”. Mas Altemar redargüiu: “Quem falou que eu, agora, descoberta toda a maracutaia, vou aturar fantasmático assombrando-me toda noite?!” Ligou para o seu advogado. O que, ao ver o fantasma carpinteiro, deu como uma rabiçaca e saiu. Não demorou muito para marcar-se uma audiência extraoficial para as 3 da madrugada. O fantasma foi chamado. Alguns dos seus parentes do Além (e outros vivos também!). Termina que o mesmo foi condenado a dizer onde estaria enterrada uma botija, já que não tinha com que pagar a indenização estipulada. Quando o Altemar foi desenterrá-la, foi sozinho. Deu-me umas dez colheres de ouro e uns quatro garfos de prata e partiu para morar em outra localidade. E eu ainda estou por aqui, mas estou doidinho para processar um espírito zombeteiro. Outra botija não cairia mal! E, logo agora, com a crise, hein? 

Versos Malassombrosos,
(Poeta Felipe Amaral),
(Adaptado para sintetizador de voz)

No beco do cemitério,
Existe uma maldição,
Quem passa por lá à noite,
Só escuta imprecação,
E um cochicho atrapalhado,
De boca de assombração.

Já lá no Barro Vermelho,
A coisa é mais diferente,
Que o vulto daquele bairro,
Dá pra se ver claramente,
Quando aparece de noite,
Na rua, assombrando gente.

Na rua da Caixa D'água,
Habita uma fantasmada,
Que, há tempos, assusta o povo
Da rua, de madrugada,
Que ninguém suporta mais,
Ver alma desencarnada.

No Poço Escrito, a folia,
De espírito de finado,
Já tem tempo que apavora,
O povo daquele lado,
Que ninguém mais nem estranha,
Ver vulto desencarnado.

Pra lá do Mercado Público,
Não é brincadeira, não,
Aparece falecido,
Fazendo levitação,
E um lobisomem peludo,
Rondando a imediação.

Ali na Rodoviária,
Sempre se avista um salseiro,
É que existe um malassombro,
Que apavora o povo inteiro,
É só ir "no" sanitário,
Pra ver vulto no banheiro.

Igualmente na escola,
Do "seu" João Gabriel,
Lá tem uma mão fantasma,
Que assombra qualquer fiel,
É só sentar na latrina,
Pra ela chegar co'o papel.

Não tem danado que agüente,
Os vultos do Sindicato,
Lá na Câmara também,
Tem fantasma feio e chato,
E o Fórum superabunda,
De aparição e boato.

Na Quadra Municipal,
Na Prefeitura também,
No Açougue Antigo e no Novo,
E no Hospital "é" que tem,
É tanto assombro em Tabira,
Que eu não sei nem de onde vem.

Uns dizem que é do Além,
E há quem diga se tratar,
De invasão de extraterrestre,
Que habita o espaço estelar,
Mas há também quem duvide,
Do que eu estou a contar.


---- Boatos de Malassombro ----- 
(Felipe Amaral)
(Adaptado para sintetizador de voz)

Na rua de Zé Bolão,
Tem um bicho todo preto,
Que corre pelas calçadas,
E é fino igual um gravêto,
Tem a cara de caveira,
E o corpo de esqueleto.

Pra lá da rua do Fórum,
Há algo do Mundo Oculto,
Que assombra menino novo,
E até homem já adulto,
É um'alma de uma bruxa,
Montada em cima de um vulto.

A escola de Pedro Pires,
Assombra quaquer cristão,
É que lá habita um vulto,
Que voa acima do chão,
Dizem que é alma de gente,
Mas se parece "é" co'o Cão.

O Bairro João Cordeiro,
Tem coisa que não me agrada,
É passar por lá de noite,
Pra se ver alma penada,
E ossada de difunto,
Voando e dando risada.

O Barro Branco é bairro,
Que, quando aparece a lua,
Se transforma na estação
Onde o malassobro atua,
Ponto de encontro de espírito,
Que gosta de andar na rua.

Eu não passo nem por longe,
Do bairro Espírito Santo,
É que, após ver um fantasma
Voando naquele canto,
Eu fiquei traumatizado,
Com malassombro e espanto.

Andar de noite em Tabira,
Eu evito a todo custo,
É que, mesmo eu sendo um cara,
De um espírito robusto,
Nunca fui dado a expor,
Minh'alma a espanto e susto.

A pior hora em Tabira
É de doze horas em diante.
Por essas horas, já vi,
Fantasma mudo e falante,
Alma penada e sem pena,
E corvo dando rasante.

Rasga-mortalha é um bicho,
Que aqui tem em abundância.
É só riscar um telhado,
Logo chega a ambulância,
Pra levar o falecido,
Sem choro e sem relutância.

Aqui em Tabira tem,
Zumbi, Chupacabra e bruxa,
Lobisomem, lobislhér,
Alma que grita e estribucha,
Vampiro que, à noite vaga,
Assombro que se propaga,
Em tempo de lua cheia.
Pode haver canto esquisito,
Que inda se mostre bonito,
Mas aqui a coisa é feia!


Boatos de Malassombro 2,
(Felipe Amaral),
(Adaptado para sintetizador de voz)

Não vá andar na madruga,
Que é pra que você não veja,
Alma de morto vagante,
Rezando terço na igreja,
Ou espírito andarilho,
Que na escuridão rastêja.

Quando chegar em Tabira,
Não ande em canto inseguro,
Lá na Praça do Pecado,
Habita um ente obscuro,
É um fantasma que ataca
Gente que sarra no escuro.

Já na Praça que há de frente
Da Câmara da cidade,
Eu já vi bicho sentado,
Cualma fazendo amizade,
E vulto tomando chuva,
Em dia de tempestade.

Fui colocar nos Correios,
Uma carta pra envio,
Mas saí de lá corrido,
Ao ouvir dialma assovío,
E o povo correu de dentro,
Devido ao vulto arredio.

Não tem quem possa viver,
Numa cidade assombrada,
Se vai no Banco, vê vulto,
No Hospital, grito e zoada,
No Mercado, assombração,
E no Açougue, alma penada.

A população todinha,
Já está em polvorosa,
O prefeito até mandou,
Fazer um terço de rosa,
Que é pra colocar em tumba,
De morto, pra que sucumba,
O assombro que se enfurece.
Mas o troço é complicado,
Quanto mais se tem rezado,
Mais malassombro aparece.


---------Malassombro Em Tabira, -----------
(Felipe Amaral),
(Adaptado para sintetizador de voz)

Ali na Praça Central,
Eu já vi de tudo quase,
Fantasma namorador,
Alma mudando de fase,
Canhêta desacunhado,
Correndo pra todo lado,
E sombra de falecido.
Em Tabira tá dum jeito,
Que nem polícia e prefeito,
Têm o caso resolvido.

Espírito de finado,
Eu mesmo vi mais de um,
Fica vagando de noite,
Pois isso aqui é comum,
Nem prece, padre e pastor,
Podem conter o estridor,
Da fantasmada arredia.
Vulto, de noite, era adendo,
Mas já tão aparecendo,
Até no claro do dia.

Tem vulto em Delegacia,
No Quartel do Batalhão,
Na Brigada e no sossego,
E até mesmo em camburão,
Mas ninguém vem nem, ao menos,
Aliviar com acenos,
De solução o deslize.
É tanta dalma penada,
Que a Frota já tá cansada,
De tentar sanar a crise.

Nos sítios, o povo diz,
Que só vive vendo bicho,
Na rua é do mesmo jeito,
Que o negócio é sem capricho,
Tantas fantasmagorias,
Aparecendo nas vias,
Pra que a esperança desabe.
Que uma crise como essa,
Quando a danada começa,
Não tem danado que acabe.

Viu-se vultos margeando,
As ruas do cemitério,
Pessoa sendo atacada,
De um espanto deletério,
Vereador vendo assombro,
E a prefeitura, um escombro
Onde habita a fantasmada.
Tá sumindo até dinheiro,
Não há quem ache o roteiro,
Da dinheirama roubada.

Tem vulto passando a mão,
Nas pernas de moça nova,
Vulto descendo do céu,
Vulto subindo da cóva,
Alma de velho e de novo,
Correndo, assombrando o povo,
Em meio à corrupção.
Que o cabelo fica em pé,
E se acaba até a fé,
No coração do cristão.

Tem bicho até que aparece,
Nas salas de operação,
Uns fazendo cirurgia,
Outros pagando plantão,
É tanta da capetada,
Que a cidade tá tomada,
De trabalhador do Além.
O jeito é se conformar,
Que não há como enterrar,
Difunto que vai e vem.

Aqui não é mais comum,
Ver morto continuar,
Dentro da cova enterrado,
Sem querer se levantar,
Pois todo o que mórre agora,
Quer por a cara pra fóra,
Pra curiar quem tá vivo.
Não há reza, não há prece,
E o malassombro só cresce,
Mas ninguém sabe o motivo.

Fui no Banco, certo dia,
Trocar um cheque, apressado,
Avistei um malassombro,
Correndo pra todo lado,
Atrás de puxar carteira,
Como que por brincadeira,
No fim, o troço era sério.
Mas, depois dessa quermesse,
Todo o dinheiro aparece
Nas covas do cemitério.

Solucionar o mistério,
É coisa que o povo quer,
Mas não há quem solucione,
Que essa solução requer,
Muita oração e perícia,
Pois que, até mesmo a polícia
Não mais sabe o que fazer.
É fantasma engravatado,
Roubando pra todo lado,
Sem a Justiça prender.

Penso que essa assombração,
Tomou "foi" o país todo,
Tem fantasma no Congresso,
Fazendo armada e engodo,
E o susto o povo é que paga,
E a maracutaia traga,
A força da economia.
Nem Caça às Bruxas resolve,
E o dinheiro se dissolve,
Frente à fantasmagoria.

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