terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O boneco encapetado - Cordel Malassombrado

O boneco encapetado

1
Quando ainda era criança
Recordo que recebi
Da minha mãe um presente
Que, com carinho, a pedi.
Era um boneco de lã
Que, ainda àquela manhã,
Tive em minhas mãos pequenas.
Mas não imaginaria
Que esse presente traria
À minha alma duras penas.
2
Muitos dias se passaram
Nos quais muito me alegrei
Com o boneco engraçado
Que, de minha mãe, ganhei.
Nada de estranho ocorreu
E eu muito sorri co'o meu
Bonequinho sorridente.
Até que um dia me vi
Surpreso, pois percebi
Nele algo de diferente.
3
Às doze horas da noite
Eu fui andando à cozinha
Para que, co'um copo d'água,
Saciasse a sede minha.
Mas, acontece, que ao ir
À mesma, pude sentir
Que algo vinha me seguindo.
Olhei pra trás pra saber
Quem era, e não pude ver
Donde aquilo era advindo.
4
Ignorei o que fosse
E um copo d'água peguei.
Tomei dele o conteúdo
E a sede, então, saciei.
Pus o mesmo sobre a pia
E parti sem covardia
Para o quarto onde eu estava.
Mas, ao chegar ao recinto,
Senti um temor distinto
Que, antes, já me perturbava.
5
Deitei na cama com medo.
Pus o lençol sobre a face.
Só que, ao me virar de lado,
Encontrei-me em um impasse.
Ali estava o boneco...
Nessa hora deu-me um “treco”,
Ao escutá-lo falar.
Gritou, dando gargalhadas,
Sacudindo as almofadas
E eu corri para escapar.
6
Fui me deitar co'os meus pais
Lá na cama de casal.
Mas, por achá-los dormindo,
Fiz um silêncio total.
Nada comentei, até
Poder vê-los já de pé
Para o café da manhã.
Fiquei ali bem quietinho.
Dormi ali num cantinho
Por sobre a colcha de lã.
7
No outro dia, bem cedo,
À minha mãe indaguei
A respeito do boneco
Que dela mesma ganhei.
Perguntei se nele havia
Pilha que o mesmo faria
Caminhar e conversar.
Mas ela tudo negou.
O que muito me intrigou.
E eu “comecei” me assustar.
8
Passei o dia buscando
O boneco falador.
Mas não o pude encontrar
No quarto ou no corredor.
Deu-me um pavor gradual
Que, de uma forma anormal,
Em surtos, “se fez” crescente.
“Peguei” a querer chorar,
Mas resolvi controlar
O choro em meu ambiente.
9
Saí de casa pra ver
Se um amigo encontraria
Que me pudesse explicar
Tudo o que me acontecia.
Fred, um amigo de escola,
Que não era de “dar bola”
Pra coisa assim como aquela,
Topou dormir em meu lar,
A fim de poder filmar
O que achava ser balela.
10
Dei um pretexto qualquer
Pra meus pais, na' habitação,
E o Fred pôde dormir
Conosco na' ocasião.
Colocou no pedestal
A câmera digital
E a virou pra o corredor.
Depois “pegou a” forrar
O colchonete e aprontar
Com zelo o seu cobertor.
11
Tudo pronto, foi dormir.
E eu fiquei observando.
“A gente dormiu tranqüilo*”
Um sono profundo e brando...
Todavia, no' outro dia,
Começou a agonia,
Pelo fato registrado.
Que a câmera colocada
Gravou uma “trapalhada”,
Que me deixou perturbado.
*tipo de silepse
(concorda com o sentido,
não com a forma)
12
O troço estava filmando,
Quando, de repente, um bicho
“Pegou a” se remexer
Sem pose e sem ter capricho.
Tinha o boneco, mas mãos
E, entre movimentos vãos,
Palavras vãs proferia.
Depois surgiu outro vulto
E, aí, virou um tumulto
Que explicar ninguém podia.
13
Coisa voando do chão,
O boneco a saltitar;
Fantasma em pé e sentado
No sofá a relaxar;
Cachorro e gato fantasma;
Risada que a alma pasma;
Som de festa e foguetão...
Só que a gente não ouvia
Nadinha enquanto dormia
Naquela situação.
14
Mostramos pra “todo mundo”
Da' escola, mas ninguém deu
Crédito aquele registro
Do que, em meu lar, ocorreu.
Fomos, então, ao meu lar
Para tentarmos achar
O boneco de uma vez.
No entanto, “foi” só chegarmos
Para, ali, nos depararmos
Com algo sem placidez*.
*(Ou: “Co'o maior dos fuzuês”).
15
O boneco endiabrado
Tinha feito de refém
O meu pai e a minha mãe
Tratara com vil desdém.
Telefonei pra polícia,
Que interpretou a notícia
Como um trote, nada mais.
E, aí, eu fiquei na bosta,
Mas Fred fez-me a proposta
Que salvaria meus pais.
16
Ele negociaria
Co'o boneco meliante.
Falou da “sala de estar”
Com o brinquedo falante...
O danado respondeu
Que, pelo desejo seu,
Caro o resgate seria.
Eu disse não me importar,
Pois eu podia pagar
Na hora qualquer quantia.
17
Peguei o talão de cheques
Do meu pai numa gaveta,
Rabisquei uma quantia,
Ligeiro, com a caneta.
Mostrei pra o Fred e parei.
Ele me disse: - Eu não sei
Se só isso irá bastar.
Mas quando o boneco ouviu
A notícia, consentiu
Co' a quantia regular.
18
Logo me mandou sacar
No banco o seu pagamento
E voltar trazendo tudo
Sem ter qualquer outro intento.
Fui ligeiro e trouxe tudo
E o bicho saiu sisudo
Co' o seu lucro financeiro.
Fred foi pra casa sua,
Lento, andando pela rua,
Depois eu entrei ligeiro.
19
E um belo dia, de tarde,
Dei de querer escutar
No rádio o noticiário.
Veja o que estava a passar:
- Programa Notícia Urgente
Noticia urgentemente
Que, hoje, pela manhã
Foi detido o foragido
Seqüestrador conhecido
Como “Boneco de Lã”.
20
“Por ser de baixa estatura,
Se passa por um brinquedo
E, à noite, ilude as crianças
Com outros pra causar medo...
Depois lhes rouba os pertences
E, devido aos seus suspenses,
Desacredita os infantes
Pra que ninguém os escute,
Depois foge co'o desfrute
Dos bens dos tais reclamantes”.
21
“Alertamos que os comparsas
Desse cruel meliante
Ainda estão foragidos
E, ao achá-los, não se espante.
Ligue pra o “Nove Um Um”.
E, qualquer coisa incomum,
Chame a polícia ao seu lar.
Aqui acrescentaremos
Seus nomes, que deixaremos
Pra o ouvinte se informar”.
22
“O primeiro dos comparsas
É 'chamado' 'Alma Penada';
O segundo já se chama
'Fantasminha Camarada';
Os outros são: 'Capiroto',
'Visagem', 'Boca de Esgoto',
'Malassombro' e 'Aparição'.
Boca de Esgoto é menor,
Todavia é o pior,
Não tente aproximação!”

Autor: Poeta Felipe Amaral

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