segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Retórica Encantatória - RF Amaral

Retórica Encantatória - RF Amaral
   
    De início é preciso que defendamos alguns postulados.
    Estou ciente, porém, que a defesa argumentativa dos mesmos requereria amplo tempo. Contento-me em asseverá-los somente, ficando sujeito a confrontações (por vezes, gratuitas!) de todas as partes. Não me incomodo (argumentar seria contradizer-me!). Necessário é que se faça dito o que, agora, torna-se canônico.
    Deve-se postular que:
Argumentar e contra-argumentar não passa de vaidade (inutilidade!);
Dispor, tanto através da oralidade quanto por via da escrita, o que se pretende é bastante, desde que se siga uma "forma", "técnica retórica" sólida ao discorrer;
Utilizar a linguagem de modo a fazê-la sempre de aparência descritiva é o ponto;
Fazer os ouvintes acessarem o conteúdo do que se fala (ou se escreve) sempre como em romances, contos, apólogos, poemas, peças teatrais, filmes e afins é o ideal;
Não deixar transparecer qualquer "prescritividade" no que se diz (texto ou fala que se tornaria, assim, simples "narração"!) é o certo;
Não entender nada do que se diga como "defesa" de algum ponto de vista é o pretendido;
Ver toda a realidade como uma "Grande Descrição" é o que pode "arejar" o pensamento e qualquer diálogo;
Entender que, como em salas de cinema, o que se conta é o que é pura objetividade;
Ter ciência de que nada pode atingir o "narrador" neste mundo narrativo construído pelo próprio é indubitável;
Saber que a "razão de ser das coisas" é aparente (para todos os homens!);
Pôr em mente que tudo foi criado "feito", "realizado", "completo" em seu "todo" é o certo (decisões, valores, inclinações, reações, movimentos, etc. não são coisas a serem vindas à tona, já existem dentro da "preprogramação do Criador" de tudo);
Por fim, "retorizar" (encantatoriamente!) tudo o que se for falar, quando se pretender "convencer" o ouvinte é o correto sempre.

    Postos os ditames a serem seguidos, devemos fazer uma reconsideração de tudo o que já vivemos, pretendendo com isso entender que muito do que temos hoje como "norma" nunca fora postulado como tal. Carregamos uma enorme leva de "conversas" como se tivessem sido apresentadas como imposições, decretos, leis, regras, etc.. Ao atinarmos para isso, ficamos sabendo que, assim como tomamos "simples falas" por "prescrições vitais", podemos, propositadamente, fazer nossas "falas encantatórias" serem sempre aceitas como tais, ainda que não aparentem ser munidas de "prescritividade". E, aqui, já deixo, como em prolepse, que estou certo de que irão questionar-me a respeito deste parágrafo também. Desde já, contemplem meu riso irônico.
    Não devemos pedir as pessoas que aprovem o que falamos, devemos contar-lhes "histórias". No mundo da ficção tudo é "válido". O entendimento de que uma asseveração lógica porta "validade" em si mesma, porquanto atende determinadas regras do raciocínio é gratuito (por "gratuito" entenda-se "desapegado", "só dito, nada mais"). Ninguém discute lógica, estando acima dela para prová-la. Mas, entendo que, quando a quero desbancar também não consigo, o que me leva a algum tipo de "paradoxismo metodológico" (não opto nem por convecionalismo, relativismo, agnosticismo, ceticismo dogmático e outros por estarem - os seus julgamentos de serem os mesmos errados ou certos - eivados deste mesmo ultrassapado raciocínio que condeno, ainda que, em prática de retórica encantatória, não pretendesse fazê-lo de forma direta, explícita!).
    Ainda que pareça contradizer-me ao trazer neste escrito algo como regras, cânones, prescrições, digo que assim faço por conta da necessidade de expor objetivos a serem cumpridos pelo retórico. Optar por tal técnica, em si, não pode ser algo que se oponha à mesma, isso, na mente do "narrador" (chamarei assim o retórico desta vertente!) que a põe em uso.
    O caso é que o simples fato de tornar "narrativo" ou "descritivo" o "prescritivo" já resumiria tudo o que se pretendesse dizer aqui. Mas a técnica para tal precisa, ainda assim, ser delineada, pois visto é que as pessoas que se colocam a conversar sempre tendem a confrontar idéias em vez de simplesmente dispô-las. Nada precisa ser como é! Porém as pessoas não entendem isso. Todos querem defender seus pontos de vista. Impô-los em aceitação "a ferro de fogo". Eis aqui o problema!
    Claro que muitos poderiam perguntar-me acerca de minhas crenças. Meus valores morais. Quais os meus mandamentos. Não preciso ver o mundo, a todo o tempo, pelos óculos de minhas crenças. Sei que muitos discordam disso. Isso não me incomoda. Quero libertar a razão para que ela possa "argumentar" sem contra-argumentos. E, aqui, acusariam-me de fideísta, obscurantista ou algo do gênero, ao que eu responderia com um simples riso. Já de há muito vi que o estar debatendo coisas só leva o homem a contemplar o quão grande é a sua insuficiência de conhecimento. Não posso saber tudo, mas isso - agora sei! - que não pode tornar-me incapaz de "convencer" pessoas.
     Sinto muitíssimo ter sido obrigado a escrever este manual desta forma. Não queria que os meus leitores fossem como que "sugestionados" sem terem ciência do que, de fato, trata-se este escrito. Daqui partirei para exemplos, mas assevero que o não entendimento e apreensão dos postulados que foram expostos anteriormente pode levar à confusão. Entendamos e os memorizemos, ainda que do nosso jeito, com nossas palavras. Deixo certo que findarei o texto já no desenvolvimento do tópico abaixo. Vamos a ele, então!

Incutindo "Idéias" por Via de Simples Conversas

    Tudo pode ser entendido como uma simples conversa. Tudo que falamos ou escrevemos é algo que desejamos que seja absorvido pelo ouvinte ou leitor. Entendamos tudo como simples conversas! Pronto! Vamos a uma:
Fulano: - O clima está agradável. Ontem fui à escola. Estava muito calor como acalorada está esta politicagem desta pequena cidade.
Cicrano: - Estou achando quente. Na escola, achei mais frio. E a POLÍTICA, NÃO POLITICAGEM, tem sido levada de modo muito tranquilo nesta nem tão pequena cidade.
    Já percebemos de cara que o tal "Cicrano" amanheceu de "ovo virado". Não está para concordar com nada que se fale. E, por incrível que possa parecer, a solução aqui não estaria em debates sobre climatologia, termologia, publicidade eleitoral, densidade demográfica, crescimento populacional, estatística, IBGE ou geografia local. Uns deixariam o tal sozinho. Outros mudariam de assunto. Os retóricos partidários do discurso encantatório assemelhar-se-iam mais com os do segundo grupo, mas com algumas ressalvas (ou mesmo reservas).
Fulano: - Ah, a climatologia! O calor faz os seres humanos suarem cântaros. Há quem fale muito sobre instituições de ensino e propagandas políticas em cidades locais.
Cicrano: - Climatô... o quê?! O povo fala sobre muita coisa, inclusive nestas cidades circunzinhas.
    Calma! Não estou dizendo que, no decorrer do dia, estaríamos sempre falando através de tautologias. Evitamos embates de muitas maneiras. Quando se quer manter, propositadamente, uma atmosfera de "convencimento" tem-se que tergiversar às vezes. Nada é ponto de fraqueza quando se tem metas sólidas a cumprir. Estamos dando tempo ao tempo. Mas se se quisesse simplesmente conversar, a pessoa poderia sim discordar o quanto quisesse! O cerne da questão é: Isso é o que eu quero?
    Quando falamos o óbvio de modo diferenciado, chamamos a atenção das pessoas. Só temos que ir colocando paulatina e premeditadamente dentro do discurso crenças prefabricadas e os ouvintes, dependendo da fluência e dinâmica do falar (ou contar) não terão tempo hábil para raciocinarem sobre. Daqui a pouco a conversa fluirá como em uma leitura de um romance, uma audição de uma peça musical ou uma contemplação de um filme de espionagem, misturado com ficção científica. Encante e eles serão encantados. Não confronte, encante. Confrontar é para os tolos. Os artistas das palavras utilizam-se de classe. O altear da voz não pode resistir a um belo discurso. Há como que uma magia nas palavras e, quando menos se percebe, estamos dados a cenas que já há muito rodam em nossas mentes. Encante! Faça-os dormir! E que não despertem do sono nunca mais...

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