sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Piruca de Sansão - Por Felipe Amaral - Poema Acordelado

A Piruca de Sansão
Por Felipe Amaral

1
Uns diz que, quando Dalila
Foi descabelá Sansão,
Topô cum véi de Tabira,
Cidade aqui do Sertão...
Diche o véi, sem desmazelo:
- Eu tô cumprano cabelo!
E Dalila diche: Eu tenho!
Foi no lixo da cozinha,
Pegô os cacho que tinha,
Dizeno: - Já, já eu venho!
2
Do esposo vendeu as trança,
Ganhano cuá transação
Quaige que uns seiscentos conto.
Tudo as custa de Sansão.
Adispois desse negóço,
Aí, ficô fêi o troço
E Sansão se aperriô.
Acordô todo assustado,
Cum os cabelo cortado,
E, aí, o bicho pegô.
3
A briga em casa foi fêa.
Só sei, que, no embate agudo,
Morrêro uns seiscentos home,
Que Sansão deu fim em tudo...
Mas o véi, dessa escapô,
Pra Tabira retornô
Cuá cabelama na mão.
Fez da mêrma uma piruca.
Vendeu pra Zé de Xanduca
E esse vendeu pra Tião.
4
Só sei que, aqui na Cohab,
Há uns quarenta ano atrás,
Tião, vulgo Pão Careca,
Tava cum gosto de gás.
Batia em todo sujeito.
Num respeitava prefeito
Nem guarda nem capitão.
Só que ninguém intendia
Porque danado ele havia
Ficado tão valentão.
5
Fato é que um catimbozêro,
Por apelido Carniça,
Tava dizeno pro povo
E foi dizê a puliça
Que o tá vigô de Tião
Vinha de arguma poção
Que ele a tomá se meteu.
Mas o xamã tava errado
E o caso foi desvendado
Quando um véi apariceu.
6
Era o véi que tinha dado
A Dalila uma quantia
Pela juba de Sansão,
Que já cortado ela havia.
Certo é que o véi contô tudo
E o povo ali ficô mudo
Ouvino aquela nutiça.
Num demorô muito não
E um distinto cidadão
Foi contá tudo à puliça.
7
O coroné diche: - Oxeeen!
Hoje nós pega Tião!
Deu de garra da pexêra.
Preparô o três-oitão.
E partiu cuá fébe tife
Pra aprisioná o patife
Que amotinava a cidade.
O xerife se atreveu
E os sordado se escondeu
Nos vão da localidade.
8
Entrô, então, o xerife
Dento da casa do home
Já cum mandado de busca,
Porém num gritô seu nome.
Foi no quarto e incontrô
A piruca e, aí, guardô
A mêrma dento das calça.
Então, chamô por Tião.
E, só dispois de um puxão,
Viu que era a piruca falsa.
9
Tião já tava esperano
Cuá piruca na careca.
Inxotô os praça tudo
Cum a força da munheca.
A reca saiu ferida
E a cidade, consumida
Pela bagunça, acordô.
Entrô o resto do povo,
Mas foi pra' apanhá de novo
Como antes já apanhô.
10
A coisa tava sem jeito.
Nem a puliça pudia
Cuá força daquele traste
Que em todo mundo batia.
Mas foi aí que um sujeito
Partiu pra vê o prefeito
E falá a novidade.
Era que um tá Gideão,
Lá das terra de Sansão,
Tinha chegado à cidade.
11
Diche ele que de Dalila
Tinha comprado a rapinha
Que inda restô dos cabelo
De Sansão que ela detinha.
Preparô a pôca soma
Sem desanímo e sem coma
E ôta piruca montô.
Era essa bem mixuruca.
De sorte que essa piruca
Só pra anão incaxô.
12
E o engraçado é que o fíi
Primêro de Gideão
Tinha nascido com esse
Mal que só dá em anão.
Diche: - Na minha famia,
Afora umas sete fia
Que eu tem dôto casamento,
Eu tenho um minino home,
Primêro dos dez que come
Ali nos meus apusento.
13
Trôce o minino ligêro,
Que era pro prefeito vê.
Botô a piruca e diche:
- Nesse acredito que dê!
Tava o minino arrumado
Já de quengo impirucado
E forte que só a fébe.
Machano feito um milico,
Imbora fosse um nanico
Perdido no mêi da plebe.
14
O xerife diche: - Oquei!
Agora nós tamo bem!
Os arto num dava jeito,
Os gordo num dá também,
Vamo apostá no anão,
Que pra batê em Tião
Ninguém qué mais sê chamado.
Saiu cuá cavalaria
E isperô que da purfia
Num saísse derrotado.
15
Mas antes de í pra guerra
Preguntô a Gideão:
- Como se chama o minino
Que vai batê em Tião?
Gideão diche: - É Gulia!
E, assim a cavalaria
Gritô de forma exaltada:
- O Gigante eu nunca vi,
Mas esse anão, nem Davi
Vencia na luta armada.
16
Tudo pronto, fôro em frente
Pra infrentá o bandido,
Que recebeu os sordado,
Já dano uma de ixibido.
Gritô de lá: - Desafíi
De Gulia a rei Davi
A me batê nessa afronta!
O que consigui o feito
Pode falá co'o prefeito
Que eu sai, inda pago as conta!
17
Fastô a cavalaria
Somente pro anão passá.
Aí, foi só Tião vê
Pra cumeçá gargalhá.
Dava tanta da risada
Que os cavalo da brigada
Ficava tudo agitado.
Diche: - Eu vô dá os abutre,
Que de carniça se nutre,
Esse anão desavisado!
18
Se preparô pro combate,
Inda a ri do pigmeu,
Que butô sobre a cabeça
O chinó que o pai lhe deu.
Aí, partiu pro conflito,
Chega isquentava os cambito
Quando ia em toda carrêra.
Mas num lutô muito não,
Que a piruca de Tião
Vuô cuá tapa certêra.
19
Ali ele já caiu
Todim desorientado.
Quis procurá o chinó,
Mas não achô o danado.
E, sem a sua piruca,
Levô um tranco na nuca
Que desmaiô lá no chão.
Quando levantô, já tava
Todo algemado e se achava
Já trancado na prisão.
20
Por fim, cumpriu a promessa
E daqui se escafedeu.
O Anão foi muito aclamado
E um troféu cá recebeu.
Gideão candidatô-se
A prefeito e consagrô-se
Governante da cidade
Ao lado do seu rebento.
Deixô seu chão poerento
Por esta localidade.
21
Mas já faz bastante tempo
Que tudo isso aconticeu.
O povo morreu de velho,
Os filho tudo esqueceu.
E hoje aqui sobre esse fato
Só existe esse relato
Desse vate que vos fala.
Que só vate ousa falá
Quando a lembrança não há
E a voz da verdade cala.

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